Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Carlos Drummond de Andrade - Segredo

As coisas transcorrem no quotidiano mantendo em segredo o seu mais profundo significado – e o poeta bem percebe o quanto, em boa medida, tornam-se baldadas as nossas tentativas de “exploração e de interpretação do estar-no-mundo”: veja-se que Drummond inicia o poema afirmando que “a poesia é incomunicável”, mas nem por isso deixou de lavrar o seu terreno, por décadas, trazendo-nos belíssimos “insights”!

“Não ame”. “Não diga nada”. “Não conte”. “Não peça”. Imperativos negativos a revelar o quadro de impossibilidades que se expõem ao ente lírico, enquanto lhe parece que aos demais se oferece um cenário deveras prodigioso: o falante expressa certo ceticismo religioso e, a difundir ou postular valores ou virtudes cristãs, opta pelo silêncio – no qual enigmaticamente a poesia se abriga.

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Drummond de Andrade

(1902-1987)

 

Segredo

 

A poesia é incomunicável.

Fique torto no seu canto.

Não ame.

 

Ouço dizer que há tiroteio

ao alcance do nosso corpo.

É a revolução? o amor?

Não diga nada.

 

Tudo é possível, só eu impossível.

O mar transborda de peixes.

Há homens que andam no mar

como se andassem na rua.

Não conte.

 

Suponha que um anjo de fogo

varresse a face da terra

e os homens sacrificados

pedissem perdão.

Não peça.

 

Em: “Brejo das Almas” (1934)

 

Anjo de Fogo

(Natalia Pietsch: pintora russa)


Referência:

ANDRADE, Carlos Drummond. Segredo. In: __________. Antologia poética (organizada pelo autor). Prefácio de Marco Lucchesi. 48. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2001. p. 317.

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