Para além de nossa realidade física retratada num espelho, a mente – ou o que chamamos de intelecto ou de percepção – fixa-se num planar de pássaro sustentado pelo vento: seria como que o reflexo de imagens sem aparência ou presença fenomênica, em outros termos, algo meramente conceitual ou alusivo a um feixe de ideias.
Com feito, a apreensão pelo intelecto teria o dom de rarefazer a experiência concreta, tão afeita ao lado mais corpóreo da existência; a apreensão física de um objeto se caracterizaria por certa resistência deste às formas que o seguram: enquanto o objeto compreendido se desvanece, sendo substituído pelo conhecimento, o que é manipulado se mantém como coisa específica, por recusar-se a tomar a forma daquilo que o apreende.
J.A.R. – H.C.
Paul Éluard
(1895-1952)
Le Miroir d’un Moment
Il dissipe le jour,
Il montre aux hommes les images déliées
de l’apparence,
Il enlève aux hommes la possibilité de se
distraire.
Il est dur comme la pierre,
La pierre informe,
La pierre du mouvement et de la vue,
Et son éclat est tel que toutes les armures,
tous les masques en sont faussés.
Ce que la main a pris dédaigne même de prendre
la forme de la main,
Ce qui a été compris n’existe plus,
L’oiseau s’est confondu avec le vent,
Le ciel avec sa vérité,
L’homme avec sa réalité.
Dans: “Capitale de la douleur” (1926)
Um vento favorável
(Paul Bond: pintor mexicano)
O Espelho de um Momento
Ele dissipa o dia,
Mostra aos homens as imagens desligadas
da aparência.
Rouba aos homens a possibilidade de distração.
Ele é duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da visão,
E seu brilho é tal que todas as armaduras,
todas as máscaras diante dele se desfiguram.
O que a mão pegou desdenha de tomar
a forma da mão,
O que se compreendeu não existe mais,
A ave confundiu-se com o vento,
O céu com a sua verdade,
O homem com a sua realidade.
Em: “Capital da dor” (1926)
Referência:
ÉLUARD, Paul. Le miroir d’un moment / O
espelho de um momento. Tradução de Cláudia Longhi Farina. In: PAES, José Paulo
(Organização, Nota Liminar e Posfácio). Transverso: coletânea de poemas
traduzidos. Edição bilíngue. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1988. Em francês:
p. 104; em português: p. 105. (Coleção ‘Viagens da Voz’)
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