Tudo o que se descreve no poema é o encontro do falante (e do grupo de que fazia parte) com uma corça morta – atropelada recentemente numa estrada estreita, à beira de um rio num desfiladeiro –, mas cuja cria jazia ainda viva e quieta em seu ventre, sem expectativas de vir à luz.
Diz-nos o ente lírico que desviar, dar guinadas com o carro à volta de despojos da espécie, torna-se ainda mais perigoso, podendo vir a resultar em outras mortes. Por conseguinte, o único “desvio” a que se propõe é refletir detidamente sobre os fatos à conta de todos os que ali estão – e empurrar o corpo do animal ao despenhadeiro, em direção ao rio que corre lá embaixo.
A viagem se passa na escuridão da noite, e penso que, por decorrência, se poderia atribuir um sentido figurado aos precitados fatos, qual seja, sobre o inesperado, o velado que sempre está à nossa espreita, a nos fazer ver que a jornada pela vida não é mais que um jogo de aproximação com a morte, cingindo-nos de alertas quotidianos – até que, por fim, experimentamo-la pessoalmente, sem direito a relatar como terá sido.
J.A.R. – H.C.
William Stafford
(1914-1993)
Travelling Through the Dark
Travelling through the dark I found a deer
dead on the edge of the Wilson River road.
It is usually best to roll them into the canyon:
that road is narrow; to swerve might make more
dead.
By glow of the tail-light I stumbled back of the
car
and stood by the heap, a doe, a recent killing;
she had stiffened already, almost cold.
I dragged her off; she was large in the belly.
My fingers touching her side brought me the reason
–
her side was warm; her fawn lay there waiting,
alive, still, never to be born.
Beside that mountain road I hesitated.
The car aimed ahead its lowered parking lights;
under the hood purred the steady engine.
I stood in the glare of the warm exhaust turning
red;
around our group I could hear the wilderness
listen.
I thought hard for us all – my only swerving –,
then pushed her over the edge into the river.
Cabras numa caminhada
matutina pelo cânion
(Matthew Pinkey: pintor norte-americano)
Viajando em Meio à Escuridão
Viajando em meio à escuridão, encontrei um cervo
morto à margem da estrada que beira o Rio Wilson.
Normalmente, é melhor rolá-los para dentro do
desfiladeiro:
aquela estrada é estreita; desviar poderia levar a
mais mortos.
Sob o clarão do farol traseiro, dirigi-me aos tropeções
para trás,
postando-me perto dos despojos, uma corça, uma morte
recente;
já havia enrijecido, estava quase fria.
Arrastei-a para fora; proeminente era o seu ventre.
Meus dedos tocando-lhe o lado indicaram-me o motivo
–
o flanco estava quente; sua cria lá estava à
espera,
viva, quieta, para nunca vir à luz.
Ao lado daquela estrada de montanha, hesitei.
O carro apontava para frente as luzes baixas de
seus faroletes;
sob o capô roncava o inabalável motor.
Quedei-me diante do fulgor do escape tépido a vermelhar;
ao redor de nosso grupo, podia ouvir o deserto à
espreita.
Refleti bastante por todos nós – meu único desvio –,
então empurrei-a à escarpa até a margem do rio.
Referência:
STAFFORD, William. Traveling trhough
the dark. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to
reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest &
Harcout, 2001. p. 77-78.
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