Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 9 de novembro de 2021

William Stafford - Viajando em Meio à Escuridão

Tudo o que se descreve no poema é o encontro do falante (e do grupo de que fazia parte) com uma corça morta – atropelada recentemente numa estrada estreita, à beira de um rio num desfiladeiro –, mas cuja cria jazia ainda viva e quieta em seu ventre, sem expectativas de vir à luz.

Diz-nos o ente lírico que desviar, dar guinadas com o carro à volta de despojos da espécie, torna-se ainda mais perigoso, podendo vir a resultar em outras mortes. Por conseguinte, o único “desvio” a que se propõe é refletir detidamente sobre os fatos à conta de todos os que ali estão – e empurrar o corpo do animal ao despenhadeiro, em direção ao rio que corre lá embaixo.

A viagem se passa na escuridão da noite, e penso que, por decorrência, se poderia atribuir um sentido figurado aos precitados fatos, qual seja, sobre o inesperado, o velado que sempre está à nossa espreita, a nos fazer ver que a jornada pela vida não é mais que um jogo de aproximação com a morte, cingindo-nos de alertas quotidianos – até que, por fim, experimentamo-la pessoalmente, sem direito a relatar como terá sido.

J.A.R. – H.C.

 

William Stafford

(1914-1993)

 

Travelling Through the Dark

 

Travelling through the dark I found a deer

dead on the edge of the Wilson River road.

It is usually best to roll them into the canyon:

that road is narrow; to swerve might make more dead.

 

By glow of the tail-light I stumbled back of the car

and stood by the heap, a doe, a recent killing;

she had stiffened already, almost cold.

I dragged her off; she was large in the belly.

 

My fingers touching her side brought me the reason –

her side was warm; her fawn lay there waiting,

alive, still, never to be born.

Beside that mountain road I hesitated.

 

The car aimed ahead its lowered parking lights;

under the hood purred the steady engine.

I stood in the glare of the warm exhaust turning red;

around our group I could hear the wilderness listen.

 

I thought hard for us all – my only swerving –,

then pushed her over the edge into the river.

 

Cabras numa caminhada

matutina pelo cânion

(Matthew Pinkey: pintor norte-americano)

 

Viajando em Meio à Escuridão

 

Viajando em meio à escuridão, encontrei um cervo

morto à margem da estrada que beira o Rio Wilson.

Normalmente, é melhor rolá-los para dentro do desfiladeiro:

aquela estrada é estreita; desviar poderia levar a mais mortos.

 

Sob o clarão do farol traseiro, dirigi-me aos tropeções para trás,

postando-me perto dos despojos, uma corça, uma morte recente;

já havia enrijecido, estava quase fria.

Arrastei-a para fora; proeminente era o seu ventre.

 

Meus dedos tocando-lhe o lado indicaram-me o motivo –

o flanco estava quente; sua cria lá estava à espera,

viva, quieta, para nunca vir à luz.

Ao lado daquela estrada de montanha, hesitei.

 

O carro apontava para frente as luzes baixas de seus faroletes;

sob o capô roncava o inabalável motor.

Quedei-me diante do fulgor do escape tépido a vermelhar;

ao redor de nosso grupo, podia ouvir o deserto à espreita.

 

Refleti bastante por todos nós – meu único desvio –,

então empurrei-a à escarpa até a margem do rio.


Referência:

STAFFORD, William. Traveling trhough the dark. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 77-78.

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