O poeta paulista dedica este poema ao compositor russo Modest Moussorgsky (1839-1881), conhecido por suas óperas – “Boris Godunov”, em especial – e pelo ciclo para piano “Quadros de uma Exposição”: as palavras, nos versos, fluem tanto com um sentido de canto – deduzível ao termo “lied” do título –, quanto de um empenhar-se numa valsa ou numa insinuante “dança com a noite no ventre” – noite, presume-se, conotada à morte em trânsito pelo sono.
Tem-se um retomar de rotina, de um ciclo diário, como se voltando a vida se estivesse depois de longa deambulação no inerte, com desembaraçada imersão no frenesi do quotidiano. Enquanto isso, a morte gesta no “ventre” do falante, à espera do momento no qual, mais uma vez, possa dar passos de ensaios, de exercícios, de adestramentos para uma peremptória “exposição”.
J.A.R. – H.C.
Jorge Padilha
(n. 1964)
Lied para Moussorgsky
uma dança com a morte
antes do café da manhã
antes do corpo deixar-se
levar pelo dia em alerta
um minueto um minuto
uma vênia um floreio
de pés mão a mão uma valsa
um lied na água fervente
misturando esse pó
solvendo-se enquanto
a saliva me pede outra vez
uma dança com a noite
no ventre
(1839-1881)
Referência:
PADILHA, Jorge. Lied para Moussorgsky. n:
DANIEL, Claudio; BARBOSA, Frederico (Organização, Seleção e Notas). Na
virada do século: poesia de invenção no Brasil. São Paulo, SP: Landy, 2007.
p. 326.
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