Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Lêdo Ivo - O ofício de viver

Para o poeta, o ofício de viver é o mister de escrever poesias, a habilidade de fazer resplandecer em palavras o lado mais palpável de humildes objetos, captando-lhes os predicados mediante a sua sensível e peculiar percepção, recorrendo à imaginação e a uma linguagem plástica e visionária, tantas vezes a desafiar o sentido lógico da arquitetura do universo.

Nasce, assim, uma poesia de imagens imponderáveis, a revestir de um pálio de verdade os símbolos terrestres, gravando-os em elocuções no “verso” de uma moeda de duas faces – a realidade e suas representações –, hábil metáfora com potencial para desencadear “destinos”, futuros, para esse talentoso aedo – lídimo propagador dos prodígios do mundo.

J.A.R. – H.C.

 

Lêdo Ivo

(1924-2012)

 

O ofício de viver

 

Vou sempre além de mim mesmo

em teu dorso, ó verso.

O que não sou nasce em mim

e, máscara mais verdadeira

do que o rosto, toma conta

de meus símbolos terrestres.

Imaginação! teu véu

envolve humildes objetos

que na sombra resplandecem.

 

Vestíbulo do informulável,

poesia, és como a carne,

atrás de ti é que existes.

E as palavras são moedas.

Com elas, tudo compramos,

a árvore que nasce no espaço

e o mar que não escutamos,

formas tangíveis de um corpo

e a terra em que não pisamos.

 

Se inventar é o meu destino,

invento e invento-me. Canto.

 

Em: “Cântico” (1947-1949)

 

Entardecer

(Anastasia Matveeva: pintora russa)


Referência:

IVO, Lêdo. O ofício de viver. In: __________. Central poética: poemas escolhidos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar; Brasília, DF: INL, 1976. p. 88-89. (‘Manancial’; v. 48)

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