Por trás da aparência
do mundo, há algo mais profundo que se nos revela como lenda, espécie de
substrato jacente às coisas, movendo-se para além das representações que
formulamos em nossas mentes com o objetivo de melhor compreendermos fatos e
circunstâncias: tal dualidade bem justifica a imagem a que recorre o poeta,
declaradamente, a de lentes bifocais – uma para se observar em primeiro plano,
outra para se ir mais a fundo nos detalhes.
Deduzo que o poeta
propõe alguma prevalência à segunda forma de se contemplar o mundo, feito
“lenda profunda”, manancial para uma panóplia de associações simbólicas que bem
podem ser integradas por meio da imaginação, ora pois, exatamente a estância
onde se decanta grande parte do material de que precisa a poesia para florescer!
J.A.R. – H.C.
William Stafford
(1914-1993)
Bifocal
Sometimes up out of this land
a legend begins to move.
Is it a coming near
of something under love?
Love is of the earth only,
the surface, a map of roads
leading wherever go miles
or little bushes nod.
Not so the legend under,
fixed, inexorable,
deep as the darkest mine
the thick rocks won’t tell.
As fire burns the leaf
and out of the green appears
the vein in the center line
and the legend veins under there,
So, the world happens twice –
once what we see it as;
second it legends itself
deep, the way it is.
Vale de Yosemite
(Albert Bierstadt: pintor germano-americano)
Bifocal
Por vezes, irrompendo desta terra
uma lenda começa a mover-se.
Será uma aproximação
de algo sob o amor?
O amor é da terra somente,
a superfície, um mapa de vias
para onde quer que se dirijam as milhas
ou assomem pequenos arbustos.
Não assim a lenda por baixo,
fixa, inexorável,
profunda como a mais escura mina
que as rochas maciças não hão de revelar.
Como o fogo que cresta a folha
levando a aflorar do verde
o veio na linha central
e, logo abaixo, os veios da lenda,
Assim o mundo a suceder duas vezes –
uma vez, tal como o vemos;
outra, sob a forma de lenda
profunda, tal como é.
Referência:
STAFFORD, William. Bifocal. In: HEANEY, Seamus; HUGHES, Ted (Eds.). The rattle bag. 1st publ. London, EN: Faber and Faber, 1982. p. 75-76.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário