Tendo por pano de fundo o quadro “O Cavaleiro”, de Marc Chagall (1877-1985), Ferlinghetti apresenta-nos um hipotético diálogo do pintor com sua mãe, acerca da precitada obra, segundo o qual esta teria solicitado ao filho que não permitisse ao cavalo comer o violino que lhe vai na boca, muito embora Chagall pouco se tenha importado com a rogatória, levando a pintura a termo.
Uma interpretação possível para estes versos talvez seja a de que o artista não deva se prender às amarras de um sentido conforme ao que se possa denominar “normal” diante dos fatos ou das circunstâncias, como deduzível da linha derradeira do poema – “Sem cordas / atadas” –, notoriamente com duplo sentido, quer se pense no violino com as cordas estropiadas pelos dentes do cavalo, quer se cogite em restrições que possam ser impostas ao trabalho do artista, quer ainda a laços que cinjam a roupa ao corpo da pessoa nua a quem o pintor teria dadivado o sobredito violino.
Tem-se aí, obviamente, certa dose de inconformismo, algo na linha do enunciado “É proibido proibir!”, de Caetano Veloso: os valores da arte vão bem além de sentidos lógicos que necessariamente tendam a vinculá-la à realidade. É como se houvesse a ordem: faça algo diferente – fique nu em praça pública, se necessário for –, pois desse modo poderá sair do anonimato, isto se não se tornar famoso!
J.A.R. – H.C.
Lawrence Ferlinghetti
(1919-2021)
Don’t Let That Horse
Don’t let that horse
eat that violin
cried Chagall’s mother
But he
kept right on
painting
And became famous
And kept on painting
The Horse With Violin In Mouth
And when he finally finished it
he jumped up upon the horse
and rode away
waving the violin
And then with a low bow gave it
to the first naked nude he ran across
And there were no strings
attached
O Cavaleiro
(Marc Chagall: pintor franco-russo)
Não Deixe Esse Cavalo
Não deixe esse cavalo
comer o violino
reclamava a mãe de Chagall
Mas ele
prosseguiu
pintando
E ficou famoso
E permaneceu pintando
O Cavalo com o Violino na Boca
E quando finalmente finalizou-o
saltou sobre o cavalo
e caiu fora
acenando com o violino
E então com uma longa reverência entregou-o
ao primeiro nu despido pelo qual cruzou
Sem cordas
atadas.
Referência:
FERLINGHETTI, Lawrence. Don’t let that
horse / Não deixe esse cavalo. Tradução de Eduardo Bueno. In: __________. Um
parque de diversões da cabeça. Tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes.
Edição bilíngue. 2. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. Em inglês: p. 54; em
português: p. 55. (L&PM Pocket Beat; nº 661)
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