Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Lawrence Ferlinghetti - Não Deixe Esse Cavalo

Tendo por pano de fundo o quadro “O Cavaleiro”, de Marc Chagall (1877-1985), Ferlinghetti apresenta-nos um hipotético diálogo do pintor com sua mãe, acerca da precitada obra, segundo o qual esta teria solicitado ao filho que não permitisse ao cavalo comer o violino que lhe vai na boca, muito embora Chagall pouco se tenha importado com a rogatória, levando a pintura a termo.

Uma interpretação possível para estes versos talvez seja a de que o artista não deva se prender às amarras de um sentido conforme ao que se possa denominar “normal” diante dos fatos ou das circunstâncias, como deduzível da linha derradeira do poema – “Sem cordas / atadas” –, notoriamente com duplo sentido, quer se pense no violino com as cordas estropiadas pelos dentes do cavalo, quer se cogite em restrições que possam ser impostas ao trabalho do artista, quer ainda a laços que cinjam a roupa ao corpo da pessoa nua a quem o pintor teria dadivado o sobredito violino.

Tem-se aí, obviamente, certa dose de inconformismo, algo na linha do enunciado “É proibido proibir!”, de Caetano Veloso: os valores da arte vão bem além de sentidos lógicos que necessariamente tendam a vinculá-la à realidade. É como se houvesse a ordem: faça algo diferente – fique nu em praça pública, se necessário for –, pois desse modo poderá sair do anonimato, isto se não se tornar famoso!

J.A.R. – H.C.

 

Lawrence Ferlinghetti

(1919-2021)

 

Don’t Let That Horse

 

Don’t let that horse

eat that violin

cried Chagall’s mother

But he

kept right on

painting

And became famous

And kept on painting

The Horse With Violin In Mouth

 

And when he finally finished it

he jumped up upon the horse

and rode away

waving the violin

And then with a low bow gave it

to the first naked nude he ran across

 

And there were no strings

attached

 

O Cavaleiro

(Marc Chagall: pintor franco-russo)

 

Não Deixe Esse Cavalo

 

Não deixe esse cavalo

comer o violino

reclamava a mãe de Chagall

Mas ele

prosseguiu

pintando

E ficou famoso

E permaneceu pintando

O Cavalo com o Violino na Boca

 

E quando finalmente finalizou-o

saltou sobre o cavalo

e caiu fora

acenando com o violino

E então com uma longa reverência entregou-o

ao primeiro nu despido pelo qual cruzou

 

Sem cordas

atadas.


Referência:

FERLINGHETTI, Lawrence. Don’t let that horse / Não deixe esse cavalo. Tradução de Eduardo Bueno. In: __________. Um parque de diversões da cabeça. Tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes. Edição bilíngue. 2. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. Em inglês: p. 54; em português: p. 55. (L&PM Pocket Beat; nº 661)

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