Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Mia Couto - Aprendiz de ausências

Nenhum motivo para a morte é superior à vontade ou à experiência de viver, pois mesmo em quem se encontra no limiar do óbito pode-se distinguir derradeiros laivos de amor por este mundo e pelas pessoas que lhe são próximas, ou, em sendo poeta o moribundo, certa afeição pelas palavras – das quais há de se despedir uma a uma.

Ao proceder desse modo, torna-se o poeta um “aprendiz de ausências”, pois que dilata a medida de um átimo a uma sucessão de duração indefinida, ao longo da qual vai-se ampliando o rol de adeuses, um mar que se estua na rarefação das palavras, até que, ao fim, venha-se a replicar o dito hamletiano: “O resto é silêncio!”.

J.A.R. – H.C.

 

Mia Couto

(n. 1955)

 

Aprendiz de ausências

 

Morrer

como quem desagua sem mar

e, num derradeiro relance,

olha o mundo

como se ainda o pudesse amar.

 

Morrer

depois de me despedir

das palavras, uma a uma.

 

E no final,

descontada a lágrima,

restar uma única certeza:

 

não há morte

que baste

para se deixar de viver.

 

Em: “Tradutor de chuvas” (2011)

 

Silêncio sombrio no subúrbio

(Laura den Hertog: pintora canadense)


Referência:

COUTO, Mia. Aprendiz de ausências. In: __________. Poemas escolhidos. Seleção do autor. Apresentação de José Castello. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2016. p. 186.

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