A disposição gráfica das estrofes deste poema diz muito sobre o sentido de um “oceano triste” que se expande à volta da falante e onde as vozes dos “afogados” por ela clamam: são saudades de momentos felizes, desvanecidos na “espuma da vida”, na “areia das horas”, denotadores de certa apreensão com a constrição do mar a despertar-lhe lúgubres sentimentos.
Conchas, espumas, areia, algas e peixes são imagens a que recorre a poetisa para demarcar a fugacidade, a impermanência das formas, como o ir e vir das águas em que imersos todos estamos. E mais que a fugacidade das formas, a fugacidade dos relacionamentos, a fugacidade do espírito, quase que a pairar sobre o não-ser.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Mar em Redor
Meus ouvidos estão como as conchas sonoras:
música perdida no meu pensamento,
na espuma da vida, na areia das horas...
Esqueceste a sombra do vento.
Por isso, ficaste e partiste,
e há finos deltas de felicidade
abrindo os braços num oceano triste.
Soltei meus anéis nos aléns da saudade.
Entre algas e peixes vou flutuando a noite inteira.
Almas de todos os afogados
chamam para diversos lados
esta singular companheira.
Em: “Vaga Música” (1942)
O terraço de Sainte Adresse
(Claude Monet: pintor francês)
Referência:
MEIRELES, Cecília. Mar em redor. In:
__________. Antologia poética. 3. ed. 3. imp. Rio de Janeiro, RJ: Nova
Fronteira, 2001. p. 34.
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