A voz lírica ouve a sirene de nevoeiro e passa a temer que ela esteja nos avisando de algo que não queremos reconhecer, com seus gemidos funestos, de besta ferida: sob a neblina, com a visão embaçada, tudo o que desponta como advertência tem sabor de desassossego, de inquietação, de perturbação, pois que ilação inerente a qualquer contemplação do vago, do indistinto.
Nesse jogo de imagens neblinosas, a mensagem talvez valha menos em face de seu sentido estrito do que no metafórico, vale dizer, menos como um alerta para as imediações de regiões pouco profundas do mar ou o que se lhe assemelhe, do que prenúncios angustiantes, pressagiadores, de algo que nos possa sobrevir pessoalmente, perante o qual nossas reações decorram fortuitamente tardias – nossos gritos infaustos, nossas mãos vencidas.
J.A.R. – H.C.
W. S. Merwin
(1927-2019)
Fog-horn
Surely that moan is not the thing
That men thought they were making, when they
Put it there, for their own necessities.
That throat does not call to anything human
But to something men had forgotten,
That stirs under fog. Who wounded that beast
Incurably, or from whose pasture
Was it lost, full grown, and time closed round it
With no way back? Who tethered its tongue
So that its voice could never come
To speak out in the light of clear day,
But only when the shifting blindness
Descends and is acknowledged among us,
As though from under a floor it is heard,
Or as though from behind a wall, always
Nearer than we had remembered? If it
Was we who gave tongue to this cry
What does it bespeak in us, repeating
And repeating, insisting on something
That we never meant? We only put it there
To give warning of something we dare not
Ignore, lest we should come upon it
Too suddenly, recognize it too late,
As our cries were swallowed up and all hands lost.
Sirene de Nevoeiro
(Hely A. M. Smith: pintor inglês)
Sirene de Nevoeiro
Seguramente esse gemido não é a coisa
Que os homens pensavam que estivessem fazendo,
quando
Puseram-no lá, para as suas próprias necessidades.
Essa garganta não chama a nada de humano,
Mas a algo que os homens esqueceram,
A agitar-se sob o nevoeiro. Quem feriu aquela besta
De forma incurável, ou de cujo pasto
Ela se perdeu, totalmente crescida, e o tempo
se fechou à sua volta
Sem possibilidade de regresso? Quem jungiu a sua
língua
Para que a sua voz nunca pudesse vir
A falar à clara luz do dia,
Mas apenas quando a cegueira movediça
Desce e faz-se reconhecida entre nós,
Como se por baixo de um piso fosse ouvida,
Ou como se viesse por trás de uma parede, sempre
Mais perto do que a tínhamos presente? Se fomos
Nós que que demos língua a esse grito,
O que prenunciaria ele em nós, pondo-se a repetir
E a repetir, insistindo em algo
Que nunca tínhamos em mente? Só o colocamos lá
Para nos advertir sobre algo que não nos atrevemos
A ignorar, para que não o encontremos
Tão repentinamente, reconhecendo-o tarde demais,
Ao tempo que engolidos todos os nossos gritos e perdidas
as nossas mãos.
Referência:
MERWIN, W. S. Fog-horn. In: MAYES,
Frances. The discovery of poetry: a field guide to reading and writing
poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 130-131.
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