Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 31 de março de 2021

Robert Pinsky - Um Velho

O desconsolo de um velho, com a cabeça a repousar sobre a mesa de um ruidoso café, depois que, transcorrido praticamente todo o tempo útil de sua vida, percebe que já pouco há por suceder: o tempo que ficou para trás, sem que se materializassem os seus anelos, sobressalta-o com mil inquietações existenciais.

“Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”: é acerca desse adágio popular que o poema de hoje verte suas linhas. E mais que isso: a previdência da diligente formiga, em confronto à postura folgazã da cigarra, na fábula de Esopo. Afinal, o inverno da velhice descuidada assombra aquele que, no verão, pôs-se a rifar seus dias entre patuscadas e frivolidades.

J.A.R. – H.C.

 

Robert Pinsky

(n. 1940)

 

An Old Man

 

after Cavafy

 

Back in a corner, alone in the clatter and babble

An old man sits with his head bent over a table

And his newspaper in front of him, in the cafe.

 

Sour with old age, he ponders a dreary truth –

How little he enjoyed the years when he had youth,

Good looks and strength and clever things to say.

 

He knows he’s quite old now: he feels it, he sees it,

And yet the time when was young seems – was it?

Yesterday. How quickly, how quickly it slipped away.

 

Now he sees how Discretion has betrayed him,

And how stupidly he let the liar persuade him

With phrases: Tomorrow. There’s plenty of time. Some day.

 

He recalls teh pull of impulses he suppressed,

The joy he sacrificed. Every chance he lost

Ridicules his brainless prudence a different way.

 

But all these thoughts and memories have made

The old man dizzy. He falls asleep, his head

Resting on the table in the noisy cafe.

 

Filósofo em Meditação

(Rembrandt van Rijn: pintor holandês)

 

Um Velho

 

segundo Cavafy

 

Ao fundo num canto, em meio ao burburinho,

Senta-se um velho, cabeça curva, sozinho,

jornal aberto à sua frente, no bar.

 

Acre velhice, dura verdade pondera –

Tão pouco desfrutou quando ’inda jovem era,

Boa aparência, vigor, esperto ao falar.

 

Sabe que agora está muito velho. Vê, sente,

Mesmo que a juventude pareça – foi? Ontem.

Como rápido, rápido foi escapar.

 

Vê agora como a Discrição o traiu,

Tolo, como a mentira o persuadiu

Com frases: Amanhã. Um dia. Há tempo a gastar.

 

Lembra-se do arroubo dos impulsos contidos,

Da alegria imolada. Chances perdidas

Da sua insana prudência põem-se a zombar.

 

Mas todos esses pensamentos e lembranças

O velho aturdem. Adormece, a cabeça

Pesa sobre a mesa no barulho do bar.


Referência:

PINSKY, Robert. An old man / Um velho. Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins. In: O’SHEA, José Roberto (Org.). Antologia de poesia norte-americana contemporânea. Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins. Florianópolis, SC: Ed. da UFSC, 1997. Em inglês: p. 168; em português: p. 169.

Nenhum comentário:

Postar um comentário