Este aforismo do Tao-Te King faz-me lembrar das primeiras lições de Física Quântica, alusivas à composição do átomo, muito mais preenchido pelo vazio do que pelas partículas de nêutrons, prótons e elétrons. Outra associação possível é a que se atribui à menor ou maior extensão de silêncio entre as notas musicais, permitindo distintos efeitos sobre a composição como um todo.
Não deixa de ser desconcertante perceber que tantas coisas úteis somente se habilitam a produzir resultados em virtude da existência de algum espaço, do vazio, do hiato, da pausa, do descano: seria uma ilusão imputar valor somente ao que seja continuamente visível ou palpável. Dance e se revigore, mas descanse um bocado para manter o equilíbrio!
J.A.R. – H.C.
Lao-Tzu
(~601 a.C. – 531 a.C.)
XI
Trinta raios cercam o eixo:
a utilidade do carro consiste no seu nada.
Escava-se a argila para modelar vasos:
a utilidade dos vasos está no seu nada.
Abrem-se portas e janelas para que haja um quarto:
a utilidade do quarto está no seu nada.
Por isso, o que existe serve para ser possuído
e o que não existe, para ser útil.
(LAO-TZU, 2006, p. 47)
Natureza-morta com maçãs, copo e jarra
(Paul Cézanne: pintor francês)
XI: A atuação do invisível no visível
Trinta raios convergentes no centro
Tem uma roda,
Mas somente os vácuos entre os raios
É que facultam seu movimento. (*)
O oleiro faz um vaso, manipulando a argila,
Mas é o oco do vaso que lhe dá utilidade.
Paredes são massas com portas e janelas,
Mas somente o vácuo entre as massas
Lhes dá utilidade –
Assim são as coisas físicas,
Que parecem ser o principal,
Mas o seu valor está no metafísico.
(LAO-TSÉ, 2009, p. 47)
Nota:
(*) Lao-Tsé se refere, provavelmente, à roda de um moinho de vento, que não funcionaria se não houvesse interstícios entre as palhetas, por onde passa o vento. (LAO-TSÉ, 2009, p. 47)
Explicação Filosófica:
O invisível age pelo visível. A metafísica do Uno se revela na física do Verso. A aparente passividade da alma se manifesta pela atividade do corpo. A causa subjaz a todos os efeitos temporários. A essência se revela em todas as existências. Quando o Todo, que é, age pelo Nada, que não é – então Algo começa a existir. Os fatos não criam valores, mas o valor produz os fatos. (LAO-TSÉ, 2009, p. 47-48)
Referências:
LAO-TSÉ. XI: A atuação do visível no invisível. Tradução de Huberto Rohden. In: __________. Tao Te Ching: o livro que revela Deus. Tradução e notas de Huberto Rohden. 4. ed. 1. reimp. São Paulo, SP: Martin Claret, 2009. (Coleção ‘A Obra-Prima de Cada Autor’; v. 136)
LAO-TZU. LXIV. Tradução de Margit
Martincic. In: __________. Tao-Te King: texto e comentário de Richard Wilhelm.
Tradução de Margit Martincic. São Paulo, SP: Pensamento, 2006.
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