Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 24 de março de 2021

Adolfo Casais Monteiro - Permanência

Sobre a condição de ser poeta, Casais Monteiro afirma-nos tratar-se de incorporar um exílio, no qual se percorre terreno sem qualquer acerto no domínio do espaço e do tempo – sem que, por conseguinte, se reconheçam as suas representações carto ou cronográficas –, razão por que não se traduzem as fronteiras em sua língua específica, uma vez que pautada em voos que pairam em toda parte.

O vate seria um “morto redivivo”. E “cego” perante as interfaces da realidade – v.g., com se diz do aedo Homero –, sendo capaz tão somente de ler “os sinais da terra”, quase sempre sem outorgar-lhes certezas – e isto num plano único do que já se passou, em passos a deslindar “distâncias de amor e de presença”.

J.A.R. – H.C.

 

Adolfo Casais Monteiro

(1908-1972)

 

Permanência

 

Não peçam aos poetas um caminho. O poeta

não sabe nada de geografia

celestial. Anda

aos encontrões da realidade

sem acertar o tempo com o espaço.

Os relógios e as fronteiras não têm

tradução na sua língua. Falta-lhe

o amor da convenção em que nas outras

as palavras fingem de certezas.

O poeta lê apenas os sinais

da terra. Seus passos cobrem

apenas distâncias de amor e

de presença. Sabe

apenas inúteis palavras de consolo

e mágoa pelo inútil. Conhece

apenas do tempo o já perdido; do amor

a câmara escura sem revelações; do espaço

o silêncio de um voo pairando

em toda a parte.

Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe

– morto redivivo.

 

Aristóteles com um busto de Homero

(Rembrandt van Rijn: pintor holandês)


Referência:

MONTEIRO, Adolfo Casais. Permanência. In: SEABRA, José Augusto (Organización y Estudio Introductorio). Poetas portugueses y brasileños: de los simbolistas a los modernistas. Edición bilingüe: Portugués x Español. Buenos Aires, AR: Instituto Camões; Brasília, BR: Thesaurus, 2002. p. 200.

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