Sobre a condição de ser poeta, Casais Monteiro afirma-nos tratar-se de incorporar um exílio, no qual se percorre terreno sem qualquer acerto no domínio do espaço e do tempo – sem que, por conseguinte, se reconheçam as suas representações carto ou cronográficas –, razão por que não se traduzem as fronteiras em sua língua específica, uma vez que pautada em voos que pairam em toda parte.
O vate seria um “morto redivivo”. E “cego” perante as interfaces da realidade – v.g., com se diz do aedo Homero –, sendo capaz tão somente de ler “os sinais da terra”, quase sempre sem outorgar-lhes certezas – e isto num plano único do que já se passou, em passos a deslindar “distâncias de amor e de presença”.
J.A.R. – H.C.
Adolfo Casais Monteiro
(1908-1972)
Permanência
Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
não sabe nada de geografia
celestial. Anda
aos encontrões da realidade
sem acertar o tempo com o espaço.
Os relógios e as fronteiras não têm
tradução na sua língua. Falta-lhe
o amor da convenção em que nas outras
as palavras fingem de certezas.
O poeta lê apenas os sinais
da terra. Seus passos cobrem
apenas distâncias de amor e
de presença. Sabe
apenas inúteis palavras de consolo
e mágoa pelo inútil. Conhece
apenas do tempo o já perdido; do amor
a câmara escura sem revelações; do espaço
o silêncio de um voo pairando
em toda a parte.
Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada
sabe
– morto redivivo.
Aristóteles com um busto de Homero
(Rembrandt van Rijn: pintor holandês)
Referência:
MONTEIRO, Adolfo Casais. Permanência.
In: SEABRA, José Augusto (Organización y Estudio Introductorio). Poetas
portugueses y brasileños: de los simbolistas a los modernistas. Edición
bilingüe: Portugués x Español. Buenos Aires, AR: Instituto Camões; Brasília,
BR: Thesaurus, 2002. p. 200.
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