Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 22 de março de 2021

Robert Morgan - π

Sobre o número π, detentor, sem dúvida, de um status de celebridade, o poeta ressalta, ademais, a sua natureza transcendental, a que acrescemos a “irracionalidade” matemática e os atributos esotéricos, neste caso – insuspeitavelmente –, pelo fato de que o perímetro de uma pirâmide, dividido por sua altura, equivale a, aproximadamente, duas vezes o número em comento. E, obviamente, não houve civilização no mundo – com exceção àquela concernente aos astecas mexicanos –, que tenha se dedicado tanto às pirâmides quanto a egípcia, claro está, em expressa conexão com o lado metafísico da existência!

O número π, tantas vezes aplicado a equações que buscam retratar o comportamento do mundo físico, acaba por servir de mote rutilante ao olhar do poeta, porque, em sua infinidade de dígitos, expressa, antiteticamente, uma racionalidade presente no centro do universo. Ou por outra: se o universo é um “locus” racional e bem disposto, então qual o móbil para a necessidade de um número irracional capaz de descrevê-lo?

É sobre esse dilema que, vez por outra, os vates se debruçam: a beleza do mundo é parte do mistério que o envolve – como diria Pascal, desde a sua escala infinita até a infinitesimal –, ainda que, desafortunadamente, derrapemos erradios pelas curvas e retas de suas estradas, enquanto continuamos em nossa vã persecução de reconciliar mente e matéria.

J.A.R. – H.C.

 

Robert Morgan

(n. 1944)

 

π

 

The secret relationship

of line and circle, progress

and return, is always known,

transcendental and yet

a commonplace. And though

the connection is written

it cannot be written out

in full, never perfect, but

is exact and constant, is

eternal and everyday

as orbits of electrons,

chemical rings, noted here

in one brief sign as gateway

to completed turns and

the distance inside circles,

both compact and infinite.

 

Ritmos Circulares nº 4

(Suzy Abrahams: artista inglesa)

 

π

 

A relação secreta

entre linha e círculo, avanço

e retrocesso, é sempre conhecida,

transcendental e, no entanto,

lugar-comum. Ainda que

a ligação seja escrita,

não pode ser escrita

na íntegra, nunca perfeita, mas

é exata e constante, é

eterna e cotidiana

como órbitas de elétrons,

anéis químicos, vistos aqui

num breve sinal como porta

para voltas completas e

distância dentro dos círculos,

ambos compactos e infinitos.


Referência:

MORGAN, Robert. π / π. Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins. In: O’SHEA, José Roberto (Org.). Antologia de poesia norte-americana contemporânea. Tradução de Maria Lúcia Milléo Martins. Florianópolis, SC: Ed. da UFSC, 1997. Em inglês: p. 134; em português: p. 135.

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