Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 4 de março de 2021

Allen Ginsberg - Um supermercado na Califórnia

Entrando em um supermercado invulgar e bem iluminado, Ginsberg imagina o poeta Walt Whitman (1819-1892) – pertencente a uma época em que centros comerciais da espécie não eram comuns – portando-se naquele espaço como se fosse um alienígena nada ambientado com os predicados exigidos pelo momento.

Ali, em meio às melancias, Ginsberg também divisa o poeta espanhol Federico García Lorca (1898-1936), que, como Whitman, muito provavelmente influenciava-lhe a labuta literária, ou melhor, insuflava-lhe ‘insights’ interessantes sobre como haver-se em frente a uma página em branco.

Ginsberg imagina-se degustando itens em exposição, na companhia de Whitman, não pagando por nada, ao tempo que lhe dirige indagações a denotarem certa preocupação com o consumismo desenfreado da América, presa com ardor ao dinheiro e fragilizada em sua capacidade de tornar mais amável e fraterna a sua gente.

J.A.R. – H.C.


Allen Ginsberg
(1926-1997)
 

A supermarket in California

 

What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for I walked down the sidestreets under the trees with a headache self-conscious looking at the full moon.

In my hungry fatigue, and shopping for images, I went into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!

What peaches and what penumbras! Whole families shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the avocados, babies in the tomatoes! – and you, Garcia Lorca, what were you doing down by the watermelons?

 

I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber, poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery boys.

I heard you asking questions of each: Who killed the pork chops? What price bananas? Are you my Angel?

I wandered in and out of the brilliant stacks of cans following you, and followed in my imagination by the store detective.

We strode down the open corridors together in our solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen delicacy, and never passing the cashier.

 

Where are we going, Walt Whitman? The doors close in an hour. Which way does your beard point tonight?

(I touch your book and dream of our odyssey in the supermarket and feel absurd.)

Will we walk all night through solitary streets? The trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be lonely.

Will we stroll dreaming of the lost America of love past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?

Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher, what America did you have when Charon quit poling his ferry and you got out on a smoking bank and stood watching the boat disappear on the black waters of Lethe?

 

Berkeley 1955

 


Mercearia do Brooklyn
(Adrian Coleman: artista anglo-americano)
 

Um supermercado na Califórnia

 

Como estive pensando em você esta noite, Walt Whitman, enquanto caminhava pelas ruas sob as árvores, com dor de cabeça, autoconsciente, olhando a lua cheia.

No meu cansaço faminto, fazendo o Shopping das imagens, entrei no supermercado das frutas de néon sonhando com tuas enumerações!

Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras fazendo suas compras à noite! Corredores cheios de maridos! Esposas entre os abacates, bebês nos tomates! – e você, Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio das melancias?

 

Eu o vi, Walt Whitman, sem filhos, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador e lançando olhares para os garotos da mercearia.

Ouvi-o fazer perguntas a cada um deles: Quem matou as costeletas de porco? Qual o preço das bananas? Será você meu Anjo?

Caminhei entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o e sendo seguido na minha imaginação pelo detetive da loja.

Perambulamos juntos pelos amplos corredores com nosso passo solitário, provando alcachofras, pegando cada um dos petiscos gelados, sem nunca passar pelo caixa.

 

Aonde vamos, Walt Whitman? As portas fecharão em uma hora. Para quais caminhos aponta tua barba esta noite?

(Toco teu livro e sonho com nossa odisseia no supermercado e sinto-me absurdo.)

Caminharemos a noite toda por solitárias ruas? As árvores somam sombras às sombras, luzes apagam-se nas casas, ficaremos ambos sós.

Vaguearemos sonhando com a América perdida do amor, passando pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando para nosso silencioso chalé?

Ah, pai querido, barba grisalha, velho e solitário professor de coragem, qual América era a sua quando Caronte parou de impelir sua balsa e você desceu na margem nevoenta, olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes? (*)

 

Berkeley 1955


Nota do Tradutor:

(*) Letes – Rio na entrada do Hades, reino dos mortos da mitologia grega, cruzado pela barca de Creonte.

Referências:

Em Inglês

GINSBERG, Allen. A supermarket in California. In: __________. Howl and other poems. Introduction by William Carlos Williams. 25th. print. San Francisco, CA: City Lights Books, jan. 1973. p. 23-24.

Em Português

GINSBERG, Allen. Um supermercado na Califórnia. Tradução de Claudio Willer. In: __________. Uivo, kaddish e outros poemas. Seleção, tradução e notas de Claudio Willer. Porto Alegre, RS: L&PM, 2010. p. 102-103.

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