Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 15 de março de 2021

Terêza Tenório - Mandala

Plasmado num universo mítico, legendário, quimérico, a emergir de um cenário letal, por vezes ruinoso, emana desta mandala de Teresa um estado de transmutação da alma, princípio para sempre imbricado no embate entre Eros e Thanatos, ambientado que está numa espécie de santuário cósmico de onde se depreendem os preceitos de sabedoria e de impermanência.

São os perigos a que estamos expostos, enquanto seres viventes, o “leitmotiv” a embalar os versos do poema, como se ardessem em fogo purificador: estamos no palácio do “samsara”, carregado de formas arquetípicas e nuances simbólicas, a muito lembrar as investigações sobre as mandalas, empreendidas pelo psicólogo analítico suíço Carl G. Jung, que nelas via um modo de estabilizar, integrar e reorganizar a vida interior.

J.A.R. – H.C.

 

Terêza Tenório

(1949-2020)

 

Mandala

 

Há um timbre de voz que me perturba

e me devolve ao tempo em que te encontro

tão cercado de brumas, fortaleza

entre as árvores mortas, como mortos

são os pássaros nascidos no país

onde os invernos reinam com seus súditos

e seus laços de gelo que penetram

irreversivelmente nossas almas.

 

Há um eco de dor nesta catarse

do círculo anterior ao recomeço

de mim: a inútil busca do fantasma

cujo terrível grito de indulgência

(negada eternamente) é quase o grito

que rói a superfície desta máscara

e se erguerá do esterco quando todos

ruirmos com a antiga Catedral.

 

Há um feto de folhas sob a chuva

que desenha o seu rosto de inocência

amortalhados sonhos não sonhados

e esta argila ancestral em seus cabelos

modela saliências que formigas

destroem na retorta como um túmulo

alagado túmulo que me habita

o fluido interior adormecido.

 

Há um rito de passagem a ser cumprido

no horizonte de pedra e violência

no limiar tão frágil da palavra

do homem – este ser sempre exilado

demônio prisioneiro ou anjo armado

que a si próprio devora como o hidrófobo

e solitário lobo ele herdará

a terra com seus áridos metais.

 

Há uma língua de fogo sobre a fronde

e um estranho convite além do espelho.

De um relógio invisível brota um pêndulo

a fixar em seu leve movimento

os espectros sonâmbulos que somos

perdidos em meio às sombras infernais

dentre o dédalo negro que impossíveis

paisagens sob a pele ora revela.

 

Arranjo azul de folhas coladas

(Cate Maddy: artista australiana) 


Referência:

TENÓRIO, Terêza. Mandala. In: __________. Poemaceso. Rio de Janeiro, RJ: Philobiblion; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1985. p. 93-94. (Coleção “Poesia, sempre”; v. 4)

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