Plasmado num universo mítico, legendário, quimérico, a emergir de um cenário letal, por vezes ruinoso, emana desta mandala de Teresa um estado de transmutação da alma, princípio para sempre imbricado no embate entre Eros e Thanatos, ambientado que está numa espécie de santuário cósmico de onde se depreendem os preceitos de sabedoria e de impermanência.
São os perigos a que estamos expostos, enquanto seres viventes, o “leitmotiv” a embalar os versos do poema, como se ardessem em fogo purificador: estamos no palácio do “samsara”, carregado de formas arquetípicas e nuances simbólicas, a muito lembrar as investigações sobre as mandalas, empreendidas pelo psicólogo analítico suíço Carl G. Jung, que nelas via um modo de estabilizar, integrar e reorganizar a vida interior.
J.A.R. – H.C.
Terêza Tenório
(1949-2020)
Mandala
Há um timbre de voz que me perturba
e me devolve ao tempo em que te encontro
tão cercado de brumas, fortaleza
entre as árvores mortas, como mortos
são os pássaros nascidos no país
onde os invernos reinam com seus súditos
e seus laços de gelo que penetram
irreversivelmente nossas almas.
Há um eco de dor nesta catarse
do círculo anterior ao recomeço
de mim: a inútil busca do fantasma
cujo terrível grito de indulgência
(negada eternamente) é quase o grito
que rói a superfície desta máscara
e se erguerá do esterco quando todos
ruirmos com a antiga Catedral.
Há um feto de folhas sob a chuva
que desenha o seu rosto de inocência
amortalhados sonhos não sonhados
e esta argila ancestral em seus cabelos
modela saliências que formigas
destroem na retorta como um túmulo
alagado túmulo que me habita
o fluido interior adormecido.
Há um rito de passagem a ser cumprido
no horizonte de pedra e violência
no limiar tão frágil da palavra
do homem – este ser sempre exilado
demônio prisioneiro ou anjo armado
que a si próprio devora como o hidrófobo
e solitário lobo ele herdará
a terra com seus áridos metais.
Há uma língua de fogo sobre a fronde
e um estranho convite além do espelho.
De um relógio invisível brota um pêndulo
a fixar em seu leve movimento
os espectros sonâmbulos que somos
perdidos em meio às sombras infernais
dentre o dédalo negro que impossíveis
paisagens sob a pele ora revela.
Arranjo azul de folhas coladas
(Cate Maddy: artista australiana)
Referência:
TENÓRIO, Terêza. Mandala. In:
__________. Poemaceso. Rio de Janeiro, RJ: Philobiblion; Brasília:
Instituto Nacional do Livro, 1985. p. 93-94. (Coleção “Poesia, sempre”; v. 4)
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