O poeta uruguaio já contava quase seis décadas quando redigiu este poema: não estava, decerto, no “centro” de sua vida, mas já algo para mais, quando a morte encena os seus primeiros exercícios, em companhia das Parcas. Mas bem percebe o ente lírico os efeitos do avanço dos anos, num momento em que se combinam “convicções coloridas” a uma “dor” que se amplifica gradativamente.
Contudo, não quer ele nem pensar em morte, pois esta lhe parece estar muito distante do “centro”, do “núcleo capital” de sua vida, ainda bastante permeada por chuva e terra, ou, como se diria, teluricamente impregnada pelo chão calcado aos pés.
Ao fim, o poeta nos afirma – como se disse – jamais estar no “centro” de sua vida, e tudo quanto se atesta no poema teria sido enunciado por uma terceira mirada: heteronomia “poeta x ente lírico”?! Ou seria uma alusão ao fato de que, quer queira quer não, o poeta, à altura da redação do poema, já havia passado da meia-idade, caso a consideremos como o interregno que se protrai, estimativamente, entre os 35 e os 55 anos de idade?! Ou ainda, Benedetti se percebe como uma pessoa que não detém completo controle ou domínio sobre o que se passa em sua vida?! O que pensa você, internauta?...
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
Suburbia
En el centro de mi vida
en el núcleo capital de mi vida
hay una fuente luminosa un surtidor
que alza convicciones de colores
y es lindo contemplarlas y seguirlas
en el centro de mi vida
en el núcleo capital de mi vida
hay un dolor que palmo a palmo
va ganando su tiempo
y es útil aprender su huella firme
en el centro de mi vida
en el núcleo capital de mi vida
la muerte queda lejos
la calma tiene olor a lluvia
la lluvia tiene olor a tierra
esto me lo contaron porque yo
nunca estoy en el centro de mi vida.
En: “Cotidianas” (1979)
Subúrbia
(Maja Đokić Mihajlović: pintora sérvia)
Subúrbia
No centro da minha vida
no núcleo capital da minha vida
há uma fonte luminosa um chafariz
que levanta convicções coloridas
e é lindo contemplá-las e segui-las
no centro da minha vida
no núcleo capital da minha vida
há uma dor que palmo a palmo
vai ganhando seu tempo
e é útil aprender sua marca firme
no centro da minha vida
no núcleo capital da minha vida
a morte fica longe
a calma tem cheiro de chuva
a chuva tem cheiro de terra
isto me contaram porque eu
nunca estou no centro da minha vida
Em: “Cotidianas” (1979)
Referência:
BENEDETTI, Mario. Suburbia / Subúrbia. Tradução
de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Edição
bilíngue. Seleção, tradução e apresentação de Julio Luís Gehlen. Ilustrações de
Luiz Trimano. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p. 130; em
português: p. 131.
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