Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 3 de março de 2021

Maria Teresa Horta - Palavras

A poetisa lusitana empreende uma torção na ordem natural das coisas, ao afirmar que, em vez de as palavras habitarem-lhe o espírito, é ela própria que habita o “corpo” dos vocábulos, moldando-os conscientemente conforme os seus interesses, à proporção que singra pelas ondas da vida – lances de vontade, de ternura, de concórdia, até mesmo de desventuras.

Mas ao lançar mão das palavras sob a forma de poesia, esclarece-nos Teresa que não deseja mais moldá-las ou empregá-las de “bruços” – como se parte de um experimento intimista fossem –, senão, penso eu, como um meio de conhecimento e de comunicação vocacionado a servir como ponte entre o sensível e o inteligível.

J.A.R. – H.C.

Maria Teresa Horta

(n. 1937)

 

Palavras

 

Habito por dentro

das palavras

 

com tectos de saliva

e quartos grandes

 

na união total

na humidade

no deslizar da vida na garganta

 

Habito as manhãs

a cor, o tempo

a curva adocicada da vontade

 

aquilo que se aprende

e apreendo

 

aquilo que desfaço

e não disfarço

 

Depois, a vastidão

o riso    e o sossego

 

sossego sem ser paz

nem desventura

 

Respiro o que não tenho

e o que prendo

 

habito o que descubro

aquilo que desvendo

 

o corpo

a revolta

a pele    os membros

 

o ritual interno

da ternura

 

E se as palavras tenho

como armas

moldando-as uma a uma

consciente

 

na poesia não quero

mais moldá-las

nem usá-las de bruços

docemente

 

Em: “Amor Habitado” (1963)

 

Abissais III

(Helena Barbagelata: artista espanhola)


Referência:

HORTA, Maria Teresa. Palavras. In: __________. Cem poemas [Antologia pessoal] + 22 inéditos. Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2006. p. 47-48.

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