A poetisa lusitana empreende uma torção na ordem natural das coisas, ao afirmar que, em vez de as palavras habitarem-lhe o espírito, é ela própria que habita o “corpo” dos vocábulos, moldando-os conscientemente conforme os seus interesses, à proporção que singra pelas ondas da vida – lances de vontade, de ternura, de concórdia, até mesmo de desventuras.
Mas ao lançar mão das palavras sob a forma de poesia, esclarece-nos Teresa que não deseja mais moldá-las ou empregá-las de “bruços” – como se parte de um experimento intimista fossem –, senão, penso eu, como um meio de conhecimento e de comunicação vocacionado a servir como ponte entre o sensível e o inteligível.
J.A.R. – H.C.
Maria Teresa Horta
(n. 1937)
Palavras
Habito por dentro
das palavras
com tectos de saliva
e quartos grandes
na união total
na humidade
no deslizar da vida na garganta
Habito as manhãs
a cor, o tempo
a curva adocicada da vontade
aquilo que se aprende
e apreendo
aquilo que desfaço
e não disfarço
Depois, a vastidão
o riso e o
sossego
sossego sem ser paz
nem desventura
Respiro o que não tenho
e o que prendo
habito o que descubro
aquilo que desvendo
o corpo
a revolta
a pele os
membros
o ritual interno
da ternura
E se as palavras tenho
como armas
moldando-as uma a uma
consciente
na poesia não quero
mais moldá-las
nem usá-las de bruços
docemente
Em: “Amor Habitado” (1963)
Abissais III
(Helena Barbagelata: artista espanhola)
Referência:
HORTA, Maria Teresa. Palavras. In:
__________. Cem poemas [Antologia pessoal] + 22 inéditos. Rio de
Janeiro, RJ: 7Letras, 2006. p. 47-48.
Nenhum comentário:
Postar um comentário