Muito do que lhe veio em mente, sob a forma de êxtase espiritual, encontra-se plasmado nestes versos de Lawrence, redigidos em paragens lindeiras aos domínios das Hespérides, onde o homem estaria longe das provações edênicas e do medo do pecado, ou de outra forma, num sítio em que não viveria coarctado ou reprimido, senão a expressar a totalidade de seu ser, em plena harmonia com as energias cósmicas.
Há certos predicados místicos ou metafísicos nestas linhas do escritor inglês, certa transcendência que comuta o ato criador e a sua correlata arte num vasto e abstrato reino da mais pura linguagem: tenciona o poeta tornar-se um difusor fidedigno da brisa que lhe vai no espírito, capaz de romper o lado mais rígido da realidade, a braços dados com três estranhos anjos – guias qualificados para um novo e venturoso horto.
J.A.R. – H.C.
D. H. Lawrence
(1885-1930)
Song of a Man Who Has Come Through
Not I, not I, but the wind that blows through me!
A fine wind is blowing the new direction of Time.
If only I let it bear me, carry me, if only it
carry me!
If only I am sensitive, subtle, oh, delicate, a
winged gift!
If only, most lovely of all, I yield myself and am
borrowed
By the fine, fine wind that takes its course
through the
chaos of the world
Like a fine, an exquisite chisel, a wedge-blade
inserted;
If only I am keen and hard like the sheer tip of a
wedge
Driven by invisible blows,
The rock will split, we shall come at the wonder,
we shall
find the Hesperides.
Oh, for the wonder that bubbles into my soul,
I would be a good fountain, a good well-head,
Would blur no whisper, spoil no expression.
What is the knocking?
What is the knocking at the door in the night?
It is somebody wants to do us harm.
No, no, it is the three strange angels.
Admit them, admit them.
Homem e o seu cão a caminho de casa
(Mal Burton: artista inglês)
Canção de um Homem que Sobreviveu
Não sou eu, não sou eu, mas o vento que sopra
através de mim!
Um vento leve está soprando a nova direção do
Tempo.
Se eu ao menos me deixasse levar, transportar, se
ele me levasse!
Se eu ao menos fosse sensível, sutil, oh, delicado,
um tom alado!
Se eu ao menos, mais adorável que tudo, me
abandonasse
e fosse roubado
Pelo vento leve que abre caminho por entre o caos
do mundo
Como um cinzel profundo e afiado, uma lâmina
penetrante;
Se eu ao menos fosse agudo e duro como a ponta de
uma cunha
Impulsionada por golpes invisíveis,
A pedra se partiria, chegaríamos à maravilha, encontraríamos
as Hespérides.
Oh, graças ao deslumbramento que borbulha em minha
alma,
Eu seria uma boa fonte, uma fresca nascente,
Nenhum sussurro se toldaria, nenhuma expressão se
deterioraria.
Quem está batendo?
Quem está batendo à porta no meio da noite?
É alguém que nos quer fazer mal.
Não, não, são os três anjos estranhos.
Deixe-os entrar, deixe-os entrar.
Referências:
Em Inglês
LAWRENCE, D. H. Song of a man who has come through. In: __________. The complete poems of D. H. Lawrence. With an introduction and notes by David Ellis. Ware, EN: Wordsworth Editions Ltd., 2002. p. 195. (“The Wordsworth Poetry Library”)
Em Português
LAWRENCE, D. H. Canção de um homem que
sobreviveu. Tradução de Eliana Rocha. In: NACHMANOVITCH, Stephen. Ser
criativo: o poder da improvisação na vida e na arte. Tradução de Eliana
Rocha. 5. ed. São Paulo, SP: Summus, 1993. p. 142.
Nenhum comentário:
Postar um comentário