Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 12 de março de 2021

Fernando Jorge Uchôa - Lixo de Sobra

Com poucas informações sobre a sua biografia na grande rede, o poeta carioca (1921-?) trata de um tema que é um descaso nas grandes cidades brasileiras: o trato correto do lixo na zona urbana. E mais: evidencia o que se desenrola na paisagem das ruas, vale dizer, pessoas carentes ao extremo recolhendo tudo o quanto possa provê-los de algo o que comer ou com o que se agasalhar.

Falta-lhes a dignidade roubada pela péssima distribuição de renda do país. Diga-se o que disser, mas o fato é que, nos últimos cinco anos, a quantidade de pedintes voltou a se expandir e, com ela, a percepção de que as terras de Pindorama estão fadadas a reproduzir ‘ad eternum’ o cenário bipolar e pernóstico das relações entre Casa-Grande & Senzala. Onde estarão as políticas governamentais dedicadas a abreviar esse estado de coisas?!

J.A.R. – H.C.

 

Lixo: Roma

(Dan Colen: artista norte-americano)

 

Lixo de Sobra

 

O lixo que sobra

é de todo mundo.

 

Os pobres mais pobres

encontram tesouros

entre caixas e trapos:

 

Gosma de pêssegos

nas latas deixadas,

macarrão empapado

em sacos plásticos

e um par de sapatos

que foi andarilho.

 

À noite, os cidadãos do mundo,

nascidos brasileiros,

põem seus cansaços nas horas

sem ver que as estrelas

apenas se apagam

nos cantos do sono.

 

Lixeiros passam

batendo as latas,

tudo o que é sobra

é lixo de gente,

é gente do lixo.

 

Usados

(Karl Gindel: artista norte-americano)


Referência:

UCHÔA, Fernando Jorge. Lixo de sobra. In: __________. Flauta estridente e alvorada inquieta. São Paulo, SP: Editora do Escritor, 1986. p. 40. (“Coleção do Poeta”; vol. nº 67)

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