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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 25 de março de 2021

Earl L. Miner - Reflexões sobre a linguagem e a apreensão da realidade

Earl Roy Miner, falecido professor na Universidade de Princeton e notável estudioso da literatura oriental, sobretudo a japonesa, empreende um arguto e persuasivo estudo no domínio da poética comparada (v. referência bibliográfica, no campo abaixo), apondo as suas distinções e similitudes, de um ao outro lado do mundo.

Em meio a tais especificidades, há, na precitada obra, outras tantas ponderações que, pululando à margem do tema central, encantam o leitor pelo poder de sua abstração ou formulação teorética, a exemplo das que, a seguir, transcrevo, todas elas alusivas à apreensão da realidade sob a forma de conhecimento por intermédio da linguagem – e da controversa força probante do que isso representaria.

J.A.R. – H.C.

 

Earl L. Miner
(1927-2004)
 

Reflexões sobre a linguagem e a apreensão da realidade

 

A transferência de conhecimento de uma área para outra envolve alguns obstáculos importantes e variáveis. A matemática o demonstra. Provavelmente nenhuma outra área do saber humano é tão largamente usada pelos outros ramos do conhecimento, e, possivelmente, nenhuma outra considera as demais tão inúteis. Somente a lógica, da qual é quase irmã gêmea, é radicalmente útil à matemática. A história oferece uma sugestiva contrapartida. Desde que tudo o que existe teve que passar por uma fase inicial e um desenvolvimento, tudo tem, então, uma história. Inclusive a matemática. Mas a utilidade dessas várias histórias para as outras categorias do conhecimento não é tão grande quanto a da matemática. A utilidade da literatura é ainda menor (embora ainda longe de ser desprezível), ao passo que é um tipo de conhecimento que parece ser capaz de incorporar – em certos aspectos ou em determinado grau – todos os outros ramos do saber. (MINER, 1996, p. 31)

 

Fundamentalmente, não há resposta para a alegação dos céticos de que a existência do mundo não pode ser provada. Fundamentalmente, também, há um eloquente testemunho em favor do mundo, na questão da sua existência ou não, no procedimento dos céticos, na sua conduta diária de vida. Em qualquer circunstância, somente podemos conhecer o mundo se estivermos equipados para tanto, e se dominarmos suficientemente a linguagem, para aprender sobre ele por meio da leitura e da conversação com as outras pessoas. Falar sobre a existência ou não do mundo é, portanto, tocar num ponto passível de discussão. No entanto, nosso comportamento e o uso que fazemos da linguagem leva-nos constantemente a supor que seria mais eficiente assumir que o mundo existe, do que o contrário. (MINER, 1996, p. 34-35)

 

A linguagem não é necessária nem para se assumir a existência do mundo, nem para se referir à questão. Enquanto pratico uma das minhas distrações favoritas, a jardinagem, posso estar pensando sem palavras, como faço em geral dois terços do meu tempo. O restante do pensamento, em forma de linguagem, é, como o exercício físico, um benefício terapêutico fundamental. (MINER, 1996, p. 35, n.r. nº 6)

 

A Dança da Vida
(Edvard Munch: pintor norueguês)


Referência:

MINER, Earl. Poética comparada: um ensaio intercultural sobre teorias da literatura. Tradução de Angela Gasperin. Brasília (DF): Editora da UnB, 1996.

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