De um ilimitado “amor redondo” – amor por muitos, mas agora reduzido à exclusividade de um só consorte –, Amichai formula imagens cheias de arestas: há um certo “cansaço” no relacionamento e cada um dos amantes sente a inevitável necessidade de espairecer em outros olhares, como que a reconhecer que a beleza das flores arrancadas ao jardim é indefectivelmente perecível.
O que se altera e flui acaba por integrar o que há de mais importante para o homem: limitamos os desejos de todo o ser vivente que, arrancado ao mundo natural, trazemos para mais perto de nós. E essa delimitação nada mais é do que amor transfigurado em apego, fonte de todo o sofrimento – a dar crédito à filosofia budista. Com efeito, enredados nessa prática, os amantes mostram-se inábeis a uma ascese espiritual.
J.A.R. – H.C.
Yehuda Amichai
(1924-2000)
Flores na Sala
As flores na sala são mais belas do que o desejo
da semente lá fora.
Ainda que elas já estejam cortadas da terra,
ainda que já não tenham esperança,
o inútil desejo delas enfeita a sala.
Assim tu, sentada na minha sala, és mais bela
do que o amor por algum outro.
Eu não posso te ajudar.
Os felizes usam delicados colares em cabelo preto,
na testa um sinal de alegria.
Um grego olha com olhos azuis
dentro do escuro emaranhado ele é o sonho
de uma mulher distante que não sabe disso.
Eu não posso te ajudar,
como não posso ajudar a mim mesmo.
Eu também faço imagens quadradas
do amor redondo que era sem limites.
A sala das flores
(Frederick C. Hassam: pintor norte-americano)
Referência:
AMICHAI, Yehuda. Flores na sala. Tradução
de Moacir Amâncio. In: __________. Terra e paz: antologia poética.
Organização e tradução de Moacir Amâncio. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Bazar do
Tempo, 2018. p. 37.
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