Boland, falecida recentemente (não por infecção pelo coronavírus, mas em
decorrência de um derrame cerebral), deplora o fato de a sua Irlanda natal ser
um país de emigrantes, a exemplo de suas duas filhas, demarcando um hiato quer
físico quer anímico entre o aqui – onde a poetisa se encontra –, o
distanciamento promovido pelo mar, e o outro lado – onde estão todos os que se
foram, muitas vezes sem por lá voltar.
Coincidência ou não, os dois poemas de Boland aqui postados – este na
conta, o outro neste endereço – têm o mesmo tema do irlandês que não se prende
à terra, a qual, em razão disso, Boland a adjetiva de “perdida”. Mas olhe-se lá
que a Irlanda deu ao mundo, v.g., grande literatos, como Jonathan Swift, Bram
Stoker, Oscar Wilde, Yeats, Sterne, Bernard Shaw, Seamus Heaney, James Joyce, Samuel
Beckett e muitos outros. Não é pouca coisa, portanto!
J.A.R. – H.C.
Eavan Boland
(1944-2020)
The Lost Land
I have two daughters.
They are all I ever
wanted from the earth.
Or almost all.
I also wanted one
piece of ground:
One city trapped by
hills. One urban river.
An island in its
element.
So I could say mine. My own.
And mean it.
Now they are grown up
and far away
and memory itself
has become an
emigrant,
wandering in a place
where love dissembles
itself as landscape:
Where the hills
are the colours of a
child’s eyes,
where my children are
distances, horizons:
At night,
on the edge of sleep,
I can see the shore
of Dublin Bay.
Its rocky sweep and
its granite pier.
Is this, I say
how they must have
seen it,
backing out on the
mailboat at twilight,
shadows falling
on everything they had
to leave?
And would love
forever?
And then
I imagine myself
at the landward rail
of that boat
searching for the
last sight of a hand.
I see myself
on the underworld
side of that water,
the darkness coming
in fast, saying
all the names I know
for a lost land:
Ireland. Absence. Daughter.
(1998)
Contornos da Baía de Dublin
(Roland Byrne:
artista irlandês)
A Terra Perdida
Tenho duas filhas.
São tudo o que sempre
quis da terra.
Ou quase tudo.
Também queria um
pedaço de terra:
uma cidade contornada
por colinas. Um rio urbano.
Uma ilha muito ao meu
gosto.
Poderia então dizê-la
minha. Meu domínio particular.
E falo sério.
Agora estão crescidas
e distantes
e a própria memória
tornou-se um
emigrante,
vagando em um lugar
onde o amor se
dissimula como paisagem:
Onde as colinas
são da cor dos olhos
de uma criança,
onde minhas filhas
são distâncias, horizontes:
À noite,
nos arrabaldes do
sono,
posso ver a costa da
Baía de Dublin.
Seu contorno rochoso
e o píer de granito.
Assim é, digo eu,
como elas devem tê-la
visto,
voltando-se para trás
no barco-postal ao crepúsculo,
as sombras caindo
sobre tudo o que tiveram
que deixar?
E amariam para
sempre?
E logo
me imagino
sobre o trilho de
terra daquele barco
em busca do último
vislumbre de uma mão.
Vejo-me
do lado antípoda ao
daquelas águas,
a escuridão
rapidamente se aproximando, a enunciar
todos os nomes que
conheço para uma terra perdida:
Irlanda. Ausência. Filha.
(1989)
Referência:
BOLAND, Eavan. The lost land. In:
GREENBLATT, Stephen (General Editor). The
norton anthology of english literature. 8th. Edition. Vol. 2. New York, NY;
London, EN: W. W. Norton & Company, 2006. p. 2.851-2.852.
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