Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Eavan Boland - A Terra Perdida

Boland, falecida recentemente (não por infecção pelo coronavírus, mas em decorrência de um derrame cerebral), deplora o fato de a sua Irlanda natal ser um país de emigrantes, a exemplo de suas duas filhas, demarcando um hiato quer físico quer anímico entre o aqui – onde a poetisa se encontra –, o distanciamento promovido pelo mar, e o outro lado – onde estão todos os que se foram, muitas vezes sem por lá voltar.

Coincidência ou não, os dois poemas de Boland aqui postados – este na conta, o outro neste endereço – têm o mesmo tema do irlandês que não se prende à terra, a qual, em razão disso, Boland a adjetiva de “perdida”. Mas olhe-se lá que a Irlanda deu ao mundo, v.g., grande literatos, como Jonathan Swift, Bram Stoker, Oscar Wilde, Yeats, Sterne, Bernard Shaw, Seamus Heaney, James Joyce, Samuel Beckett e muitos outros. Não é pouca coisa, portanto!

J.A.R. – H.C.

Eavan Boland
(1944-2020)

The Lost Land

I have two daughters.

They are all I ever wanted from the earth.

Or almost all.

I also wanted one piece of ground:

One city trapped by hills. One urban river.
An island in its element.

So I could say mine. My own.
And mean it.

Now they are grown up and far away

and memory itself
has become an emigrant,
wandering in a place
where love dissembles itself as landscape:

Where the hills
are the colours of a child’s eyes,
where my children are distances, horizons:

At night,
on the edge of sleep,

I can see the shore of Dublin Bay.
Its rocky sweep and its granite pier.

Is this, I say
how they must have seen it,
backing out on the mailboat at twilight,

shadows falling
on everything they had to leave?
And would love forever?
And then

I imagine myself
at the landward rail of that boat
searching for the last sight of a hand.

I see myself
on the underworld side of that water,
the darkness coming in fast, saying
all the names I know for a lost land:

Ireland. Absence. Daughter.

(1998)

Contornos da Baía de Dublin
(Roland Byrne: artista irlandês)

A Terra Perdida

Tenho duas filhas.

São tudo o que sempre quis da terra.

Ou quase tudo.

Também queria um pedaço de terra:

uma cidade contornada por colinas. Um rio urbano.
Uma ilha muito ao meu gosto.

Poderia então dizê-la minha. Meu domínio particular.
E falo sério.

Agora estão crescidas e distantes

e a própria memória
tornou-se um emigrante,
vagando em um lugar
onde o amor se dissimula como paisagem:

Onde as colinas
são da cor dos olhos de uma criança,
onde minhas filhas são distâncias, horizontes:

À noite,
nos arrabaldes do sono,

posso ver a costa da Baía de Dublin.
Seu contorno rochoso e o píer de granito.

Assim é, digo eu,
como elas devem tê-la visto,
voltando-se para trás no barco-postal ao crepúsculo,

as sombras caindo
sobre tudo o que tiveram que deixar?
E amariam para sempre?
E logo

me imagino
sobre o trilho de terra daquele barco
em busca do último vislumbre de uma mão.

Vejo-me
do lado antípoda ao daquelas águas,
a escuridão rapidamente se aproximando, a enunciar
todos os nomes que conheço para uma terra perdida:

Irlanda. Ausência. Filha.

(1989)

Referência:

BOLAND, Eavan. The lost land. In: GREENBLATT, Stephen (General Editor). The norton anthology of english literature. 8th. Edition. Vol. 2. New York, NY; London, EN: W. W. Norton & Company, 2006. p. 2.851-2.852.

Nenhum comentário:

Postar um comentário