Tudo se concentra em lançar prognósticos de como será o próximo poema, ainda
outro e mais outro, a saírem da pena do poeta: primeiramente, um fogaréu no centro
do poema, a arder, decerto, do lado de fora da casa; depois, novo poema irá
tratar da noite e do reflexo de miríades de estrelas e da lua sobre um
presumível mar; em seguida, se falará de certo recolhimento a um aconchegante
cômodo residencial; outro poema se deterá sobre a tênue iluminação de uma
lamparina e o fogo para aquecimento na lareira.
Por último, com o poeta já comodamente instalado, há de sobrevir um poema que,
como os primeiros, lançará faíscas: reporta-se ele às chispas do cachimbo do
título – e não exatamente de um cigarro – do qual o ente lírico afirma que,
doravante, começará a lançar mão. A intenção, como se observa, é trazer mais calor
ao ambiente em que se encontra o autor. Ou por outra: extirpar a frieza dos
poemas, tornando-os mais quentes e oferecendo-os à apreciação dos leitores!
J.A.R. – H.C.
Raymond Carver
(1938-1988)
The Pipe
The next poem I write
will have firewood
right in the middle
of it, firewood so thick
with pitch my friend
will leave behind
his gloves and tell
me, “Wear these when you
handle that stuff.”
The next poem
will have night in
it, too, and all the stars
in the western
hemisphere; and an immense body
of water shining for
miles under a new moon.
The next poem will
have a bedroom
and living room for
itself, skylights,
a sofa, a table and
chairs by the window,
a vase of violets cut
just an hour before lunch.
There’ll be a lamp
burning in the next poem;
and a fireplace where
pitch-soaked
blocks of fir flame
up, consuming one another.
Oh, the next poem
will throw sparks!
But there won’t be
any cigarettes in that poem.
I’ll take up smoking
the pipe.
In: “Where water comes together with other water”
(1985)
Autorretrato
(Vincent van Gogh: pintor
holandês)
O Cachimbo
O próximo poema que
eu escrever terá lenha
bem no meio dele, uma
lenha tão besuntada
de piche que meu
amigo me dará suas luvas
e dirá: “Use essas
luvas quando for
mexer com esse
troço”. O próximo poema
conterá também a
noite, e todas as estrelas
do hemisfério
ocidental; e uma massa imensa
de água brilhando por
milhas e milhas sob a lua nova.
O próximo poema terá
um quarto
e uma sala de estar
só para ele; claraboias,
um sofá, uma mesa e
cadeiras perto da janela,
um vaso com violetas
colhidas pouco antes do almoço.
Haverá uma lamparina
acesa no próximo poema;
e uma lareira onde
galhos de abeto encharcados
de piche queimam e
consomem uns aos outros.
Ah, o próximo poema
lançará faíscas!
Mas não haverá nenhum
cigarro nesse poema.
Vou começar a fumar
cachimbo.
Em: “Onde a água se junta a outra água (1985)
Referência:
CARVER, Raymond. The pipe / O cachimbo.
Tradução de Cide Piquet. In: __________. Esta
vida: poemas escolhidos. Seleção e tradução de Cide Piquet. Edição
bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Editora 34, 2017. Em inglês: p. 170-171; em
português: p. 77.
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