O poeta de Itabira (MG) é daqueles para quem o amor há de ser
verbalizado continuamente pelo(a) amante à(ao) amada(o), porque, segundo ele,
o amor acha-se na raiz da palavra, ela que a tudo gerou neste mundo, segundo a
narrativa do Gênesis. De outro modo, fina-se o amor, com o que o amado se
precipita no caos – “essa coleção de objetos de não-amor”.
Mas essa obsessão pela palavra pode ocultar o outro lado da relação, qual
seja, o da simulação: fala-se e fala-se de amor, mas ele pode inexistir, tampouco
se manifestar em ações visíveis que o ratifiquem. Por isso, para quem se julga
amado de fato, o procedimento mais judicioso, para além da oitiva de palavras revalidadoras
do sentimento, seria apurar a vista para a convalidação dos atos que reforcem a
sua autenticidade.
J.A.R. – H.C.
(1902-1987)
Quero
Quero que todos os
dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu
te amo,
creio, no momento,
que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas
até a exaustão
que me amas que me
amas que me amas.
Do contrário evapora-se
a amação
pois ao dizer: Eu te
amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene
comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto
cada vez mais.
Quero ser amado por e
em tua palavra
nem sei de outra
maneira a não ser esta
de reconhecer o dom
amoroso,
a perfeita maneira de
saber-se amado:
amor na raiz da
palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua
nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não
me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de
amar-me,
que nunca me amaste
antes.
Se não me disseres
urgente repetido
Eu te
amoamoamoamoamo,
verdade fulminante
que acabas de desentranhar,
eu me precipito no
caos,
essa coleção de
objetos de não-amor.
(Virgilio Colombo:
pintor italiano)
Referência:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Quero. In:
__________. As impurezas do branco.
4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 37-38.
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