Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Paulo Leminski - objeto sujeito

Entre o sujeito e o objeto, entre o poeta e a poesia, há mais segredos do que pode imaginar a nossa vã filosofia, porque até que o ente lírico seja capaz de exteriorizar em versos a “cidade” que lhe vai no íntimo, para transformar o presente em “pretérito perfeito”, quer na escala de séculos – quando um vislumbre de mais beleza e sabedoria se torna menos difícil de imaginar –, quer no recorrente trânsito de um sábado para mais um trivial domingo, o que inoportuna o falante é um nítido desconforto com a situação presente, longe de qualquer utopia como Pasárgada, Xanadu ou Shangrilá.

Essa dúvida substancial em relação ao estado de coisas, a erigir certa profusão de cenários factíveis à realidade, bem pode se materializar em uma sociedade menos injusta e mais humana – decerto mais bela e sábia! Ou não, como na intercorrência levantada pelo próprio poeta: pode redundar numa chave para um simples poema – e olhe lá!

J.A.R. – H.C.

Paulo Leminski
(1944-1989)

objeto sujeito

você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado de dentro
como fazer de um verso
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito

você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo

você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra pasárgada
xanadu ou shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olhe lá

O artista em seu estúdio
(Rembrandt: pintor holandês)

Referência:

LEMINSKI, Paulo. objeto sujeito. In: __________. Distraídos venceremos. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 69. (‘Poesia de Bolso’)

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