Entre o sujeito e o objeto, entre o poeta e a poesia, há mais segredos do
que pode imaginar a nossa vã filosofia, porque até que o ente lírico seja capaz
de exteriorizar em versos a “cidade” que lhe vai no íntimo, para transformar o
presente em “pretérito perfeito”, quer na escala de séculos – quando um
vislumbre de mais beleza e sabedoria se torna menos difícil de imaginar –, quer
no recorrente trânsito de um sábado para mais um trivial domingo, o que inoportuna
o falante é um nítido desconforto com a situação presente, longe de qualquer
utopia como Pasárgada, Xanadu ou Shangrilá.
Essa dúvida substancial em relação ao estado de coisas, a erigir certa
profusão de cenários factíveis à realidade, bem pode se materializar em uma
sociedade menos injusta e mais humana – decerto mais bela e sábia! Ou não, como
na intercorrência levantada pelo próprio poeta: pode redundar numa chave para
um simples poema – e olhe lá!
J.A.R. – H.C.
Paulo Leminski
(1944-1989)
objeto sujeito
você nunca vai saber
quanto custa uma
saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma
cidade
pelo lado de dentro
como fazer de um
verso
um objeto sujeito
como passar do
presente
para o pretérito
perfeito
nunca saber direito
você nunca vai saber
o que vem depois de
sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e
mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo
você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra pasárgada
xanadu ou shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olhe lá
O artista em seu estúdio
(Rembrandt: pintor
holandês)
Referência:
LEMINSKI, Paulo. objeto sujeito. In:
__________. Distraídos venceremos.
1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 69. (‘Poesia de Bolso’)
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