Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Francisco Brines - O visitante me abraçou

O falante – certamente o poeta quando jovem – e o seu espelho, já envelhecido: Brines observa a passagem do tempo, a transitoriedade da vida, a efemeridade dos nossos sonhos e, como efeito consectário, o desalento e o peso de uma vida transcorrida – metaforizada numa noite de lua e estrelas –, quando já não se é capaz até mesmo de fazer subir aos olhos as lágrimas sentidas.

A vida muitas vezes nos leva a experimentar situações semelhantes às do contexto de que nos fala o autor valenciano: a de tentar, vãmente, recordar e viver o jovem já distante que fomos – recapturando os sentimentos e pensamentos que, outrora, povoaram a nossa mente –, como se pretendêssemos redigir uma longa obra memorial – a exemplo de “Em busca do tempo perdido”, de Proust.

J.A.R. – H.C.

Francisco Brines
(n. 1932)

El visitante me abrazó

El visitante me abrazó, de nuevo
era la juventud que regresaba,
y se sentó conmigo. Un cansancio
venía de su boca, sus cabellos
traían polvo del camino, débil
luz en los ojos. Se contaba a sí mismo
las tristes cosas de su vida, casi
se repetía en él mi pobre vida.
Arropado en las sombras lo miraba.
La tarde abandonó la sala quieta
cuando partió. Me dije que fue grato
vivir con él (la juventud ya lejos),
que era una fiesta de alegría. Solo
volví a quedar cuando dejó la casa.

Vela el sillón la luna, y en la sala
se ve brillar los astros. Es un hombre
cansado de esperar, que tiene viejo
su torpe corazón, y que a los ojos
no le suben las lágrimas que siente.

De: “Las Brasas” (1960)

Dois jovens num abraço (detalhe)
(Giovanni Batista Piazetta: pintor italiano)

O visitante me abraçou

O visitante me abraçou, de novo
era a juventude que regressava,
e sentou-se comigo. Um cansaço
vinha de sua boca, seus cabelos
traziam a poeira do caminho, uma tênue
luz nos olhos. Contava-se a si mesmo
as tristes coisas de sua vida, quase
se repetia nele a minha pobre vida.
Entrevia-o encoberto pelas sombras.
A tarde abandonou a sala quieta
quando partiu. Disse-me que foi agradável
viver com ele (a juventude já distante),
pois que era uma festa da alegria. Sozinho
voltei a ficar quando deixou a casa.

A poltrona a lua espreita, e da sala
se veem as estrelas a brilhar. É um homem
cansado de esperar, que já tem velho
e moroso o coração, e que aos olhos
não lhe sobem as lágrimas que sente.

De: “As Brasas” (1960)

Referência:

BRINES, Francisco. El visitante me abrazó. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 29. (“Sección: Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)

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