Sob a forma de uma lúgubre missiva endereçada ao oficial nazista Adolf
Eichmann (1906-1962), Levi, que possuía ascendência judaica, mostra o seu lado exasperado
contra aquele que perpetrou a morte de levas de humanos em Auschwitz, Polônia –
cinco milhões de judeus, no dizer do falante –, reduzindo o contingente daquele
povo a treze milhões.
Distintamente ao que de fato ocorreu com Eichmann – executado em Israel,
depois de um midiático julgamento, que deu ensejo à notável obra “Eichmann em
Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal” (1963), de Hannah Arendt –,
Levi não deseja a morte ao oficial, antes, quer que ele permaneça vivo e insone
tantas
noites quantas as miríades de mortes que perpetrara, para sofrer a mesma dor
dos que partiram.
J.A.R. – H.C.
Primo Levi
(1919-1987)
Per Adolf Eichmann
Corre libero il vento
per le nostre pianure,
Eterno pulsa il mare vivo
alle nostre spiagge.
L’uomo feconda la
terra, la terra gli dà fiori e frutti:
Vive in travaglio e
in gioia, spera e teme, procrea dolci figli.
…E tu sei giunto,
nostro prezioso nemico,
Tu creatura deserta,
uomo cerchiato di morte.
Che saprai dire ora,
davanti al nostro consesso?
Giurerai per un dio?
Quale dio?
Salterai nel sepolcro
allegramente?
O ti dorrai, come in
ultimo l’uomo operoso si duole,
Cui fu la vita breve
per l’arte sua troppo lunga,
Dell’opera tua trista
non compiuta,
Dei tredici milioni
ancora vivi?
O figlio della morte,
non ti auguriamo la morte.
Possa tu vivere a
lungo quanto nessuno mai visse:
Possa tu vivere
insonne cinque milioni di notti,
E visitarti ogni
notte la doglia di ognuno che vide
Rinserrarsi la porta
che tolse la via del ritorno,
Intorno a sé farsi
buio, l’aria gremirsi di morte.
20 luglio 1960
Adolf Eichmann
(1906-1962)
Para Adolf Eichmann
Corre livre o vento
por nossas planícies,
Eterno pulsa o mar
vivo em nossas praias.
O homem semeia a
terra, a terra lhe dá flores e frutos:
Vive em ânsia e
alegria, espera e teme, procria temos filhos.
... E você chegou,
nosso precioso inimigo,
Você, criatura
deserta, homem cercado de morte.
O que saberá dizer
agora, diante de nossa assembleia?
Jurará por um deus?
Mas que deus?
Saltará contente
sobre o túmulo?
Ou se lamentará, como
o homem operoso por fim se lamenta,
A quem a vida foi
breve para tão longa arte,
De sua terrível arte
incompleta,
Dos treze milhões que
ainda vivem?
Ó filho da morte, não
lhe desejamos a morte.
Que você viva tanto
quanto ninguém nunca viveu;
Que viva insone cinco
milhões de noites,
E que toda noite lhe
visite a dor de cada um que viu
Encerrar-se a porta
que barrou o caminho de volta,
O breu crescer em torno
de si, o ar carregar-se de morte.
20 julho de 1960
Referência:
LEVI, Primo. Per Adolf Eichmann / Para
Adolf Eichmann. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção,
tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP:
Todavia, 2019. Em italiano: p. 46; em português: p. 47.
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