Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 28 de julho de 2020

Primo Levi - Para Adolf Eichmann

Sob a forma de uma lúgubre missiva endereçada ao oficial nazista Adolf Eichmann (1906-1962), Levi, que possuía ascendência judaica, mostra o seu lado exasperado contra aquele que perpetrou a morte de levas de humanos em Auschwitz, Polônia – cinco milhões de judeus, no dizer do falante –, reduzindo o contingente daquele povo a treze milhões.

Distintamente ao que de fato ocorreu com Eichmann – executado em Israel, depois de um midiático julgamento, que deu ensejo à notável obra “Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal” (1963), de Hannah Arendt –, Levi não deseja a morte ao oficial, antes, quer que ele permaneça vivo e insone tantas noites quantas as miríades de mortes que perpetrara, para sofrer a mesma dor dos que partiram.

J.A.R. – H.C.

Primo Levi
(1919-1987)

Per Adolf Eichmann

Corre libero il vento per le nostre pianure,
Eterno pulsa il mare vivo alle nostre spiagge.
L’uomo feconda la terra, la terra gli dà fiori e frutti:
Vive in travaglio e in gioia, spera e teme, procrea dolci figli.

…E tu sei giunto, nostro prezioso nemico,
Tu creatura deserta, uomo cerchiato di morte.
Che saprai dire ora, davanti al nostro consesso?
Giurerai per un dio? Quale dio?
Salterai nel sepolcro allegramente?
O ti dorrai, come in ultimo l’uomo operoso si duole,
Cui fu la vita breve per l’arte sua troppo lunga,
Dell’opera tua trista non compiuta,
Dei tredici milioni ancora vivi?

O figlio della morte, non ti auguriamo la morte.
Possa tu vivere a lungo quanto nessuno mai visse:
Possa tu vivere insonne cinque milioni di notti,
E visitarti ogni notte la doglia di ognuno che vide
Rinserrarsi la porta che tolse la via del ritorno,
Intorno a sé farsi buio, l’aria gremirsi di morte.

20 luglio 1960

Adolf Eichmann
(1906-1962)

Para Adolf Eichmann

Corre livre o vento por nossas planícies,
Eterno pulsa o mar vivo em nossas praias.
O homem semeia a terra, a terra lhe dá flores e frutos:
Vive em ânsia e alegria, espera e teme, procria temos filhos.

... E você chegou, nosso precioso inimigo,
Você, criatura deserta, homem cercado de morte.
O que saberá dizer agora, diante de nossa assembleia?
Jurará por um deus? Mas que deus?
Saltará contente sobre o túmulo?
Ou se lamentará, como o homem operoso por fim se lamenta,
A quem a vida foi breve para tão longa arte,
De sua terrível arte incompleta,
Dos treze milhões que ainda vivem?

Ó filho da morte, não lhe desejamos a morte.
Que você viva tanto quanto ninguém nunca viveu;
Que viva insone cinco milhões de noites,
E que toda noite lhe visite a dor de cada um que viu
Encerrar-se a porta que barrou o caminho de volta,
O breu crescer em torno de si, o ar carregar-se de morte.

20 julho de 1960

Referência:

LEVI, Primo. Per Adolf Eichmann / Para Adolf Eichmann. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 46; em português: p. 47.

Nenhum comentário:

Postar um comentário