A presença dos mortos na vida dos vivos é um peso menos para os que já
se foram do que para os que aqui permaneceram: as visões de que nos fala
Levertov são lembranças indeléveis dos entes queridos finados, que possuem
ainda o poder de se fazerem presentes como se magnetos fossem, pelo revolver que
promovem na mente dos que se põem a neles pensar.
É o olhar prospectivo dos espectros a partir da mirada dos que se enlutam
para lhes prestar honras: há quem logo esqueça dos seus mortos, mas há os que
ficam a eles ligados pelo tempo que lhes resta na vida, como se os compromissos
firmados num certo dia ainda os enredassem, trazendo-lhes pesares que os puxam
ainda mais para baixo, “com súbita força”.
J.A.R. – H.C.
Denise Levertov
(1923-1997)
The Change
For years the dead
were the terrible
weight of their absence,
the weight of what
one had not put in their hands.
Rarely a visitation –
dream or vision –
lifted that load for
a moment, like someone
standing behind one
and briefly taking
the heft of a
frameless pack.
But the straps
remained, and the ache –
though you can learn
not to feel it
except when malicious
memory
pulls downward with
sudden force.
Slowly there comes a
sense
that for some time
the burden
has been what you
need anyway.
How flimsy to be
without it, ungrounded, blown
hither and thither,
colliding with stern solids.
And then they begin
to return, the dead:
but not as visions.
They’re not
separate now, not to
be seen, no,
it’s they who see:
they displace
for seconds, for
minutes, maybe longer,
the mourner’s gaze
with their own. Just now,
that shift of light, arpeggio
on ocean’s harp –
not the accustomed
bearer
of heavy absence saw
it, it was perceived
by the long-dead,
long-absent,
looking out from
within one’s opened eyes.
Noite: porto ao luar
(Joseph Vernet:
pintor francês)
A Mudança
Por anos, os mortos
foram o terrível peso de sua ausência,
o peso do que não se havia posto em suas mãos.
Raramente um espectro – sonho ou visão –
sustém essa carga por um momento, como alguém
parado que, num instante, recebe nas costas
o peso de uma grande mochila.
Mas as amarras perduram, e a dor –
embora se possa aprender a não senti-la,
exceto quando a memória maliciosa
puxa para baixo com súbita força.
Lentamente, surge a sensação
de que, por algum tempo, a carga se torna,
pelo sim pelo não, aquilo de que se necessita.
Quão instável é ficar sem ela, sem conexão à terra,
soprado de lá para cá, colidindo com sólidos rígidos.
E então os mortos começam a voltar:
mas não como visões. Não estão
separados agora, não podem ser vistos, não,
são eles que veem: deslocam-se
por segundos, por minutos, mais talvez, o olhar
do enlutado a acompanhar o deles. Agora mesmo,
essa mudança de luz, arpejo
na harpa do oceano –
não a viu o carregador acostumado
a pesadas ausências, antes, foi percebida
pelos mortos de longa data, ausentes há muito,
espreitando o que se
passa a partir de nossos olhos abertos.
Referência:
LEVERTOV, Denise. The change. In:
__________. Sands of the well. New
York, NY: New Directions, 1996. p. 62.
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