Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Ana Cristina Cesar - Por que escreve e rasga a fogo

Num poema em que se presume a poetisa a falar com o próprio umbigo, uma parte reprova a outra por destruir aquilo que seria o resultado de um processo criativo, capaz de levar a um estado de perturbação babélica, sem amparo para os seus próprios desejos autênticos de felicidade, substituídos clandestinamente pela realidade decalcada de sons originados por aparelhos à volta.

Mas há certo tom de vertigem nessa convulsão perturbadora que a leva a tentar restabelecer os rumos de sua vida, uma embarcação meio sem rumo, daí o motivo por que se ordena atar-se “ao velame com as próprias mãos”, para dar-lhe rota segura. O leitor poderá concluir por si mesmo se a poetisa logrou ou não sucesso em tal empreitada, caso se disponha a investigar sobre a biografia da autora.

J.A.R. – H.C.

Ana Cristina Cesar
(1952-1983)

Por que escreve e rasga a fogo

Por que escreve e rasga a fogo
o que te dei e arrisca
meu nome na roleta?
Por que esta exposição à luz?
Espero que me liguem
A algum pedaço de terra.
Aqui no fundo do horto florestal
ouço coisas que nunca ouvi,
pássaros que gemem.
Aguço o ouvido.
Peço para mim mesma que ligue, ligue, ligue
os aparelhos surdos que só fazem som e tomam
o lugar clandestino da felicidade.
Preciso me atar ao velame com as próprias mãos.
Sopra fúria.

Ao vento
(Vladimir Volosov: artista russo)


Referência:

CESAR, Ana Cristina. Por que escreve e rasga a fogo. In: __________. Ana Cristina Cesar. Organização, apresentação e notas de Armando Freitas Filho; ensaio de Silviano Santiago. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 2004. p. 92. (Coleção “Novas Seletas”: Coordenação de Laura Sandroni)

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