Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Charles Bukowski - um romance literário

Em forma de um poema narrativo, Bukowski nos descreve um encontro com uma balzaquiana que, apesar de ter apenas 35 anos, “era mais do que passada” e, a despeito disso, virgem, pelas deduções de um “expert” no assunto, como o poeta! E mais: em matéria de sexo, Bukowski, sem ser caridoso, deixou-a, daí a alguns colóquios, ainda virgem, ao argumento de que, se chegara a tanto, o tempo para o amor já se vertera irreversivelmente. Idem, para a poesia!

É que a moça tinha pretensões de subir ao Olimpo da Poesia, muito embora bastante fraca a sua produção, mesmo que permeada por um pretenso intelectualismo e em grande parte assente em enredos que fariam Freud corar – de luxúria e de estupros –, corolário de um desejo reprimido, recôndito, nunca realizado.

Sobre histórias de virgens que aspiram por coisas que jamais ousam realizar de fato, há o risível conto publicado por Fernando Sabino (1923-2004) em sua coluna “Dito e Feito”, no trissemanário “Correio do Sul”, de Varginha (MG) (v. aqui, p. 5) – no qual uma quase bibalzaquiana promete fazer e acontecer durante uma excursão de férias a Buenos Aires, mas cujo esperado remate, nada obstante, se converte num primor de troça:

Botou para quebrar, fez e aconteceu. E aqui se estabelece fronteira exata entre a realidade e a ficção: se dissesse que realizou seus sonhos com um oficial de bordo ou ao menos que em Buenos Aires conseguiu descolar um assalto que terminou em estupro, como no futebol um atacante cava um pênalti dentro da grande área, eu estaria simplesmente inventando. Na realidade, foi e voltou virgem.
E quando, já de regresso ao seu emprego no banco, lhe pedem notícia de suas pretendidas aventuras, assume aquela atitude que o velho Freud chamaria de supercompensação: – Os homens hoje em dia não são de nada.

J.A.R. – H.C.

Charles Bukowski
(1920-1994)

a literary romance

I met her somehow through correspondence
or poetry or magazines and she began sending me
very sexy poems about rape and lust, and this
being mixed in with a minor intellectualism
confused me somewhat and
I got in my car and drove North
through the mountains and valleys and freeways
without sleep, coming off a drunk, just divorced,
jobless, aging, tired, wanting mostly to sleep
for five or ten years, I finally found the motel
in a small sunny town by a dirt road,
and I sat there smoking a cigarette
thinking, you must really be insane,
and then I got out an hour late
to meet my date; she was pretty damned old,
almost as old as I, not very sexy
and she gave me a very hard raw apple
which I chewed on with my remaining teeth;
she was dying of some unnamed disease
something like asthma, and she said,
I want to tell you a secret, and I said,
I know: you are a virgin, 35 years old.
and she got out a notebook, ten or twelve poems:
a life’s work and I had to read them
and I tried to be kind
but they were very bad.
and I took her somewhere, the boxing matches,
and she coughed in the smoke
and kept looking around and around
at all the people
and then at the fighters
clenching her hands.
you never get excited, do you? she asked.
but I got pretty excited in the hills that night,
and met her three or four more times
helped her with some of her poems
and she rammed her tongue halfway down
my throat but when I left her
she was still a virgin
and a very bad poetess.
I think that when a woman has kept her
legs closed for 35 years
it’s too late
either for love
or for
poetry.

Sozinhos juntos
(Maria Kreyn: artista russa)

um romance literário

conheci-a de algum jeito por meio de correspondência
ou poesia ou revistas
e ela começou a me mandar poemas bem sensuais
sobre estupro e luxúria,
e isso misturado a um pouco de intelectualismo
me deixou confuso e peguei o carro e segui para o Norte
por montanhas e vales e autoestradas
sem dormir, saído de um porre, recém-divorciado,
sem emprego, envelhecendo, acabado, ansiando dormir
por cinco ou dez anos, finalmente encontrei um quarto
em uma cidade pequena e ensolarada junto
a uma estrada suja,
e fiquei sentado ali fumando um cigarro
pensando, você deve estar totalmente louco,
e então saí dali uma hora depois
para o encontro; ela era mais do que passada,
quase tão velha quanto eu, bem pouco atraente
e ela me deu uma maçã muito dura e ácida
que mastiguei com meus dentes remanescentes;
ela estava morrendo de uma doença desconhecida
algo como asma, e ela disse, quero lhe contar um segredo,
e eu disse,
eu sei: você é virgem, 35 anos.
e ela puxou um caderninho, dez ou doze poemas:
o trabalho de uma vida e eu tinha que lê-los
e tentei ser gentil
mas eles eram muito ruins.
e eu a levei a algum lugar, às lutas de boxe,
e ela tossia em meio à fumaça
e ficava olhando ao redor
para todas aquelas pessoas
e depois para os lutadores
fechando seus punhos.
você nunca fica excitado, não é? ela perguntou.
mas eu fiquei bastante excitado naquela noite nas colinas,
e voltei a encontrá-la mais três ou quatro vezes
ajudei-a com alguns de seus poemas
e ela enfiou a língua quase até a metade da minha garganta
mas ao deixá-la
ela ainda era uma virgem
e uma péssima poeta.
acho que quando uma mulher manteve suas pernas
fechadas
por 35 anos
é tarde demais
tanto para o amor
quanto para a
poesia.

Referências:

Em Inglês

BUKOWSKI, Charles. a literary romance. In: __________. Burning in water, drowing in flame. Santa Barbara, CA: Black Sparrow Press, 1974. p. 21-22.

Em Português

BUKOWSKI, Charles. um romance literário. Tradução de Pedro Gonzaga. In: __________. Queimando na água, afogando-se na chama. 1. ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2016. p. 29-30. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 1211)

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