Em forma de um poema narrativo, Bukowski nos descreve um encontro com
uma balzaquiana que, apesar de ter apenas 35 anos, “era mais do que passada” e,
a despeito disso, virgem, pelas deduções de um “expert” no assunto, como o
poeta! E mais: em matéria de sexo, Bukowski, sem ser caridoso, deixou-a, daí a
alguns colóquios, ainda virgem, ao argumento de que, se chegara a tanto, o tempo
para o amor já se vertera irreversivelmente. Idem, para a poesia!
É que a moça tinha pretensões de subir ao Olimpo da Poesia, muito embora
bastante fraca a sua produção, mesmo que permeada por um pretenso intelectualismo
e em grande parte assente em enredos que fariam Freud corar – de luxúria e de
estupros –, corolário de um desejo reprimido, recôndito, nunca realizado.
Sobre histórias de virgens que aspiram por coisas que jamais ousam
realizar de fato, há o risível conto publicado por Fernando Sabino (1923-2004)
em sua coluna “Dito e Feito”, no trissemanário “Correio do Sul”, de Varginha
(MG) (v. aqui, p. 5) – no qual uma quase bibalzaquiana promete fazer e acontecer durante uma excursão de férias a Buenos Aires, mas cujo esperado remate, nada obstante, se converte num primor de troça:
Botou para quebrar, fez e aconteceu. E aqui se
estabelece fronteira exata entre a realidade e a ficção: se dissesse que
realizou seus sonhos com um oficial de bordo ou ao menos que em Buenos Aires
conseguiu descolar um assalto que terminou em estupro, como no futebol um
atacante cava um pênalti dentro da grande área, eu estaria simplesmente
inventando. Na realidade, foi e voltou virgem.
E quando, já de regresso ao seu emprego no banco,
lhe pedem notícia de suas pretendidas aventuras, assume aquela atitude que o
velho Freud chamaria de supercompensação: – Os homens hoje em dia não são de
nada.
J.A.R. – H.C.
(1920-1994)
a literary romance
I met her somehow
through correspondence
or poetry or
magazines and she began sending me
very sexy poems about
rape and lust, and this
being mixed in with a
minor intellectualism
confused me somewhat
and
I got in my car and
drove North
through the mountains
and valleys and freeways
without sleep, coming
off a drunk, just divorced,
jobless, aging,
tired, wanting mostly to sleep
for five or ten
years, I finally found the motel
in a small sunny town
by a dirt road,
and I sat there
smoking a cigarette
thinking, you must
really be insane,
and then I got out an
hour late
to meet my date; she
was pretty damned old,
almost as old as I,
not very sexy
and she gave me a
very hard raw apple
which I chewed on
with my remaining teeth;
she was dying of some
unnamed disease
something like
asthma, and she said,
I want to tell you a
secret, and I said,
I know: you are a
virgin, 35 years old.
and she got out a
notebook, ten or twelve poems:
a life’s work and I
had to read them
and I tried to be
kind
but they were very
bad.
and I took her
somewhere, the boxing matches,
and she coughed in
the smoke
and kept looking
around and around
at all the people
and then at the
fighters
clenching her hands.
you never get
excited, do you? she asked.
but I got pretty
excited in the hills that night,
and met her three or
four more times
helped her with some
of her poems
and she rammed her
tongue halfway down
my throat but when I
left her
she was still a
virgin
and a very bad
poetess.
I think that when a
woman has kept her
legs closed for 35
years
it’s too late
either for love
or for
poetry.
(Maria Kreyn: artista
russa)
um romance literário
conheci-a de algum
jeito por meio de correspondência
ou poesia ou revistas
e ela começou a me
mandar poemas bem sensuais
sobre estupro e
luxúria,
e isso misturado a um
pouco de intelectualismo
me deixou confuso e
peguei o carro e segui para o Norte
por montanhas e vales
e autoestradas
sem dormir, saído de
um porre, recém-divorciado,
sem emprego,
envelhecendo, acabado, ansiando dormir
por cinco ou dez
anos, finalmente encontrei um quarto
em uma cidade pequena
e ensolarada junto
a uma estrada suja,
e fiquei sentado ali
fumando um cigarro
pensando, você deve
estar totalmente louco,
e então saí dali uma
hora depois
para o encontro; ela
era mais do que passada,
quase tão velha
quanto eu, bem pouco atraente
e ela me deu uma maçã
muito dura e ácida
que mastiguei com
meus dentes remanescentes;
ela estava morrendo
de uma doença desconhecida
algo como asma, e ela
disse, quero lhe contar um segredo,
e eu disse,
eu sei: você é
virgem, 35 anos.
e ela puxou um caderninho,
dez ou doze poemas:
o trabalho de uma
vida e eu tinha que lê-los
e tentei ser gentil
mas eles eram muito
ruins.
e eu a levei a algum
lugar, às lutas de boxe,
e ela tossia em meio
à fumaça
e ficava olhando ao
redor
para todas aquelas
pessoas
e depois para os
lutadores
fechando seus punhos.
você nunca fica
excitado, não é? ela perguntou.
mas eu fiquei
bastante excitado naquela noite nas colinas,
e voltei a
encontrá-la mais três ou quatro vezes
ajudei-a com alguns
de seus poemas
e ela enfiou a língua
quase até a metade da minha garganta
mas ao deixá-la
ela ainda era uma
virgem
e uma péssima poeta.
acho que quando uma
mulher manteve suas pernas
fechadas
por 35 anos
é tarde demais
tanto para o amor
quanto para a
poesia.
Referências:
Em Inglês
BUKOWSKI, Charles. a literary romance.
In: __________. Burning in water,
drowing in flame. Santa Barbara, CA: Black Sparrow Press, 1974. p. 21-22.
Em Português
BUKOWSKI, Charles. um romance
literário. Tradução de Pedro Gonzaga. In: __________. Queimando na água, afogando-se na chama. 1. ed. Porto Alegre, RS:
L&PM, 2016. p. 29-30. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 1211)
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