Imensamente expressivo este poema do poeta venezuelano: fez-me lembrar
de um outro, igualmente belo, do jornalista, crítico e poeta piauiense Mário
Faustino (1930-1962), já aqui publicado – “Vida Toda Linguagem” –, a nos falar
do abuso no emprego das palavras, na verborragia pródiga e inútil, quando o seu
oposto, o silêncio, poderia ser ainda mais eloquente diante dos fatos ou das circunstâncias.
Como afirma o autor, não importa o que se diz – podem ser truísmos à
mancheia ou mesmo a catástrofe onipresente das “fake news” –, o relevante é
firmar-se como parte num jogo de discursos fragmentários e arbitrários, em
articulada repetição: é a voz que as redes sociais e a internet conferiu a
muitos que, sem qualquer noção ou juízo, distantes da mais pura racionalidade,
ressoam as suas “verdades”, sobremodo distantes das verdades da ciência.
J.A.R. – H.C.
Juan Liscano
(1915-2001)
Por el Momento
No importa lo que se
dice.
Lo importante es
decir cualquier cosa
para sentirse vivo,
participante mecánico
del hablar y del
sonido de la especie,
emisor de discursos
fragmentados,
siempre arbitrarios,
para imaginarse
a sí mismo en la
importancia de la voz,
en la presencia
inevitable de los otros,
regidos, como uno,
por la repetición articulada.
¿Quién no llega a
odiar el lenguaje,
ese uso y abuso, ese
juego al escondite
entre lo que se dice
y lo que es?
Pero hay instantes de
claridad
cuando el silencio se
pone a hablar,
cuando una mirada,
cuando una mano susurra,
cuando la lluvia y el
viento
revelan su idioma, y
los ríos discurren,
porque en última
instancia
todo es lenguaje,
el abrazo exclama
fervor,
la cópula reitera la
creación,
el cuerpo es signo y
palabra,
significado y
respiración
de muchedumbres en la
aurora,
por el momento
salvadas del diluvio
y de los incendios
exterminadores.
Setembro: vento e chuva
(Charles E. Burchfield: pintor norte-americano)
Por Enquanto
Não importa o que se
diz.
O importante é dizer
qualquer coisa
para sentir-se vivo,
participante mecânico
da fala e do som da
espécie,
emissor de discursos
fragmentados,
sempre arbitrários,
para imaginar-se
a si mesmo na
importância da voz,
na presença
inevitável dos outros,
regidos, como uno,
pela repetição articulada.
Quem não chega a
odiar a linguagem,
esse uso e abuso,
esse jogo de esconde-esconde
entre o que se diz e
o que é?
Mas há instantes de
claridade
quando o silêncio se
põe a falar
quando uma mirada,
quando uma mão sussurra,
quando a chuva e o
vento
revelam seu idioma, e
os rios correm
porque em última
instância
tudo é linguagem,
o abraço exclama
fervor
a cópula reitera a
criação
o corpo é signo e
palavra
significado e
respiração
de multidões na
aurora,
por enquanto salvas
do dilúvio
e dos incêndios
exterminadores.
Referência:
LISCANO, Juan. Por el momento / Por
enquanto. Tradução de Débora Soares de Araújo. In: ARAÚJO, Débora Soares de. Por
el momento y otros poemas / Por enquanto e outros poemas. (n.t.) Revista Literária em Tradução. Florianópolis, SC. Edição
bilíngue semestral, ano 4, n. 6, 1. vol., mar. 2013. Em espanhol: p. 25-26; em
português: p. 31-32. Disponível neste endereço. Acesso em: 2 mai. 2020.
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