O poeta carioca julga que a poesia acabou por aportar em “terra alheia”,
decerto porque o Modernismo fez terra arrasada do programa parnasiano a que ele
tanto se devotara, com as suas regras de rigor estético, perfeição das formas,
impessoalidade e valorização da cultura clássica – a arte pela arte, em suma –,
passando a se postular o acesso ao Olimpo, agora, por um método mais liberado
de amarras.
A poesia, assim, seria a “última deusa” que restou nos páramos das artes.
E que deusa! A descrição que Alberto nos oferece no primeiro terceto do soneto desperta
facilmente os sentidos, pois dela pode-se ouvir o marulhar do “ouro tinto”,
vertendo-se em “cachoeiras” sobre o colo da deusa – embora se trate, de fato,
de uma metáfora aos seus longos cabelos ondulados –, em conjugação com outras
impressões visuais, atinentes aos efeitos de luz e cor.
J.A.R. – H.C.
Alberto de Oliveira
(1857-1937)
Última Deusa
Foram-se os deuses,
foram-se, em verdade;
Mas das deusas alguma
existe, alguma
Que tem teu ar, a tua
majestade,
Teu porte e aspecto,
que és tu mesma, em suma.
Ao ver-te com esse
andar de divindade,
Como cercada de
invisível bruma,
A gente à crença
antiga se acostuma
E do Olimpo se lembra
com saudade.
De lá trouxeste o
olhar sereno e garço, (1)
O alvo colo onde, em
quedas de ouro tinto,
Rútilo rola o teu
cabelo esparso...
Pisas alheia terra...
Essa tristeza
Que possuis é de
estátua que ora extinto
Sente o culto da
forma e da beleza.
Cupidos: alegoria da poesia
(François Boucher:
pintor francês)
Nota:
(1) garço – diz-se do olho esverdeado
ou verde-azulado; gázeo.
Referência:
OLIVEIRA, Alberto de. Última deusa. In:
__________. Poesias. 2. ed. Rio de
Janeiro, RJ: Agir, 1969. p. 26-27.
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