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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Czeslaw Milosz - Parábola sobre o grão de papoula

Com toda a carga simbólica de uma autêntica parábola – como as de Cristo nos Evangelhos –, Milosz enfatiza o que se mostra diminuto, limitado, como os epítetos relacionados à pequenez do mundo, mas um mundo circunscrito à tendência humana em se separar dos outros, concentrando-se tão apenas no destino de alguém ou, pelo menos, das pessoas que lhe são mais próximas.

Assim como os grãos da papoula acham-se ao redor de um único estilete, ínfimos para os olhos de quem os contempla, a própria Terra, quando vista e comparada à extensão do cosmos, acaba também por revelar uma dimensão relativa microscópica. Nesse plano, deve o homem olhar a floresta sem descuidar das árvores que a compõem, afastando de si qualquer pretensão de antropocentrismo em relação ao universo em que imerso.

Há galáxias na corola da papoula, há vastidões infindas sobre a Terra, outras galáxias ainda na imensidão do universo – e delas as crianças nem suspeitam quando brincam no jardim. Somos como os grãos da papoula, presos a um único baluarte que é a Terra: mas quantas dissensões entre esses grãos, quando se trata de dividir os recursos que ela nos oferece, alguns julgando-se privilegiados pelos mais disparatados e injustificados motivos, outros sem nada!

Uma nota final: coincidência ou não, uma vez que o vocábulo “parábola” acha-se deveras associado ao nome de Jesus, e o poeta polonês, ademais, vincula-o à imagem de uma papoula, julgo não dispensável lembrar que muitos artistas, sobretudo europeus, em séculos passados, pejavam os seus afrescos sobre a vida de Cristo com papoulas, mesmo quando a cena retratava a Natividade – como alegoria ao que haveria de ocorrer, no futuro, com a criança: o seu sacrifício pelo e para os homens. Houve acaso na concatenação levada a efeito por Milosz? Talvez não!

J.A.R. – H.C.

Czeslaw Milosz
(1911-2004)

Przypowieść o maku

Na ziarnku maku stoi mały dom,
Pieski szczekają na księżyc makowy
I nigdy jeszcze tym makowym psom,
Że jest świat większy, nie przyszło do głowy.

Ziemia to ziarnko – naprawdę nie więcej,
A inne ziarnka – planety i gwiazdy.
A choć ich będzie chyba sto tysięcy,
Domek z ogrodem może stać na każdej.

Wszystko w makówce. Mak rośnie w ogrodzie,
Dzieci biegają i mak się kołysze.
A wieczorami, o księżyca wschodzie
Psy gdzieś szczekają, to głośniej, to ciszej.

Vaso com papoulas
(Ewa Bartosik: artista polonesa)

Parábola sobre o grão de papoula

Fica a casinha no grão de papoula,
Para a lua de papoula latem os cachorros
E nunca pensaram os cães de papoula
Que há um mundo maior trás os morros.

A Terra não é mais que um grão,
Astros, planetas são outros grãozinhos,
E nem que sejam quase um milhão,
Em cada cabe uma casinha com hortinho.

E tudo está na cabeça da papoula,
Que no jardim com os passos balança.
E, vindo a noite, quando a lua rola
Ladram os cães, ora alto, ora manso.

Referência:

MILOSZ, Czeslaw. Przypowieść o maku / Parábola sobre o grão de papoula. Tradução de Piotr Kilanowski. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em polonês: p. 332; em português: p. 333.

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