Se o homem for, de fato, a medida de todas coisas – como na máxima
atribuída ao sofista grego Protágoras (481 a.C. – 411 a.C.) –, nele devem caber
legiões de antíteses, a exemplo do novo e do obsoleto, do lado de dentro e do de
fora, do yin e do yang, do lado direito e do esquerdo (como nas miradas
laterais assinaladas por Pessoa neste belo poema) – sendo ele, por conseguinte,
contraditório por natureza.
São sobre tais antinomias que o poeta paraibano se põe a conjecturar
neste soneto: juntas, num mesmo ser, estão as alegrias e as tristezas – lembremo-nos
das alocuções compendiadas no Eclesiastes! –, e aquele que, usando a madeira
como matéria-prima para o seu labor, fabrica uma mesa, é a mesma criatura que produz
os esquifes que vão parar no cemitério. Em suma: tudo muito sinistro, como se estivéssemos
num conto de horror de Poe; ou ainda, tudo muito ao paladar dos critérios
poéticos adotados por dos Anjos.
J.A.R. – H.C.
Augusto dos Anjos
(1884-1914)
Contrastes
A antítese do novo e
do obsoleto,
O Amor e a Paz, o Ódio
e a Carnificina,
O que o homem ama e o
que o homem abomina,
Tudo convém para o
homem ser completo!
O ângulo obtuso,
pois, e o ângulo reto,
Uma feição humana e
outra divina
São como a eximenina
e a endimenina (*)
Que servem ambas para
o mesmo feto!
Eu sei tudo isto mais
do que o Eclesiastes!
Por justaposição
destes contrastes,
Junta-se um
hemisfério a outro hemisfério,
Às alegrias juntam-se
as tristezas,
E o carpinteiro que
fabrica as mesas
Faz também os caixões
do cemitério!...
O retorno à paz: um cemitério de Londres
(David Beschi: pintor
inglês)
Nota:
(*) Segundo o Houaiss, eximenina e
endimenina são diacronismos obsoletos, eis que substituídos, respectivamente,
pelos vocábulos exina e intina, vale dizer, as membranas externa e interna do
grão de pólen e do esporo.
Referência:
ANJOS, Augusto dos. Contrastes. ANJOS,
Augusto dos. Todos os sonetos. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2001. p. 38. (L&PM Pocket, nº 83)
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