A julgar pelas palavras que explicam a cura a que se refere o poeta,
pode-se deduzir, com alguma margem de incerteza, que se trata de um estado de melancolia
para o qual as medidas de resposta apontam para um salto dinâmico, melhor
dizendo, cinético, com carreiros, roldanas, giros e desvios, a submeter a
estática das imagens que se descrevem à borda de tais movimentos.
É uma cura para os sentimentos de impotência d’alma – alguma dúvida
existencial ou acerca do propósito de vida a ser perscrutado, capaz de dar
sentido à vida –, com significados trasladados a fatos da natureza ou ao agir de
outros seres humanos, podendo trazer algum alento ao ente lírico, carente de
respostas com potencial para afastar a dúvida do precipício, do desamparo ou do
perigo.
J.A.R. – H.C.
Daniel Faria
(1971-1999)
Explicação da Cura
O precipício não tem
futuro ou desalento
Mas um carreiro que atravessa
as giestas e o trevo
Um carreiro que chega
ao seu destino
Como a lenha podada
ao fogo
A madrugada aos olhos
do mocho.
O desamparo não tem
as mãos juntas
Mas o peito dividido
A abelha no coração
do pólen
Fazendo circular o
zumbido.
O coração tem uma
roldana a girar
No eixo do desvio
Os olhos de criança
diante do que passa.
E a canção é mão que
se afadiga
A sarar do degrau e
do perigo.
Paisagem com árvore
e um caminho junto ao rio
(Christian Länger: pintor
alemão)
Referência:
FARIA, Daniel. Explicação da cura. In:
MÃE, Valter Hugo (Selecção e Organização). O
futuro em anos-luz: 100 anos. 100 poetas. 100 poemas. Antologia da poesia
portuguesa. 1. ed. Vila Nova de Famalicão, PT: Quasi Edições, abr. 2001. p.
171. (Coleção ‘Finita Melancolia’)
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