A poetisa se vê frente ao espelho tal qual o seu pai o fazia, pensando
na morte, sugerindo o cenário de uma vida emocionalmente vazia, em luta contra
a escuridão: tal possibilidade se deduz da ideia defendida por seu genitor
durante a vida, explicitamente, a de que, se alguém não se mostra capaz de amar
uma outra pessoa, este mundo não é um lugar adequado para si.
O amor é um dos elementos motores
– se não for o mais relevante – para o sentido humano de vida: na ausência dele
toda a paisagem à volta assoma desvestida de fundamento ou coerência, fazendo
os dias correrem como se em meio a um deserto, com potência para predispor
alguém à autodestruição.
Veja-se que se o pai da autora preferiu partir para o outro mundo, sem
que os apelos da mãe se mostrassem hábeis a demovê-lo desse propósito, a julgar
pela sua própria máxima, já não haveria amor nem mesmo para com os familiares
mais próximos, mãe e filha aí inclusas. Um remate duro em se assentir!
J.A.R. – H.C.
Louise Glück
(n. 1943)
Mirror Image
Tonight I saw myself
in the dark window as
the image of my
father, whose life
was spent like this,
thinking of death, to
the exclusion
of other sensual
matters, so in the end that life
was easy to give up,
since
it contained nothing:
even
my mother’s voice
couldn’t make him
change or turn back
as he believed
that once you can’t
love another human being
you have no place in
the world.
Mulher olhando-se no espelho
(Yoo Choong Yeul:
artista sul-coreano)
Imagem no Espelho
Esta noite me vi
refletida na janela escura
como a imagem de meu
pai, cuja vida
transcorreu do mesmo
modo,
pensando na morte,
afora
outros assuntos
sensuais, tal que ao seu final
foi fácil renunciar à
vida, já que esta
nada continha: nem
a voz de minha mãe
conseguiu fazê-lo
mudar ou retroceder,
em razão de acreditar
que, se não se for
capaz de amar um outro ser humano,
não se tem lugar
neste mundo.
Referência:
GLÜCK, Louise. Mirror image. In:
ASTLEY, Neil (Ed.). Staying alive:
real poems for unreal times. 1st. ed. New York, NY: Miramax Books, 2003. p. 203.
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