O autor do poema refere-se ao seu país natal – Portugal –, em uma época certamente menos venturosa do que a dos dias que correm. Mas mal ele veio a conhecer Pindorama sob os auspícios do atual maluco de plantão: um manicômio à mercê das piores intempéries – metafóricas, ‘of course’ –, onde tudo se pode prognosticar, do coronavírus ao sobressalto da bolsa de valores.
É a maior de todas as desgraças a que o país jamais esteve submetido: a economia à deriva – com um ministro que só pensa em favorecer a banca –, as manifestações escatológicas da turma obtusa que apoia o presidente (sic), os ministros a compor um quadro digno de internamento num hospício... Apreciaria saber o que Stefan Zweig diria sob tal contexto, se vivo estivesse, depois de haver escrito “Brasil, um país do futuro”!
J.A.R. – H.C.
Sebastião da Gama
(1924-1952)
Meu País Desgraçado
Meu país desgraçado!…
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas…
Meu país desgraçado!…
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?
Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
– busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.
E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.
Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!
Povo anêmico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
– olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!
Em: “Cabo da Boa Esperança” (1947)
Janelas Azuis
(Mukhtar Mukambetov: pintor quirguistanês)
Referência:
GAMA, Sebastião da. Meu país desgraçado. In: COSTA E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (orgs.). Antologia da poesia portuguesa contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. p. 146-147.
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