Pellicer, poeta mexicano, invoca algum outro cenário que não exatamente
o dos trópicos – que lhe oferece muita luz, cor e clima tépido –, como se
quisesse participar a muitos quilômetros de distância, em outro polo, de cenas
de amor bastante parecidas com as que, v.g., Shakespeare descreve em “Romeu e
Julieta”, com sacadas, belas palavras e afagos nos cabelos – história, aliás,
transcorrida na Itália, ora sitiada pela pandemia de coronavírus.
Para quem tem excesso de luz, passa-se a desejar o céu sempre nublado de
Londres: é um pouco como o sentido da composição “Quereres”, do baiano Caetano
Veloso, toda cheia de desejos invertidos, caso alguém aponte para anelos em
certa direção. “Ah, bruta flor do querer / Ah, bruta flor, bruta flor”.
J.A.R. – H.C.
Carlos Pellicer
(1897-1977)
Deseos
A Salvador Novo
Trópico, para qué me
diste
las manos llenas de
color.
Todo lo que yo toque
se llenará de sol.
En las tardes sutiles
de otras tierras
pasaré con mis ruidos
de vidrio tornasol.
Déjame un solo
instante
dejar de ser grito y
color.
Déjame un solo
instante
cambiar de clima el
corazón,
beber la penumbra de
una cosa desierta,
inclinarme en
silencio sobre un remoto balcón,
ahondarme en el manto
de pliegues finos,
dispersarme en la
orilla de una suave devoción,
acariciar dulcemente
las cabelleras lacias
y escribir con un
lápiz muy fino mi meditación.
¡Oh, dejar de ser un
solo instante
el Ayudante de Campo
del sol!
¡Trópico, para qué me
diste
las manos llenas de
color!
Votos de aniversário
(Raimundo de Madrazo
y Garreta: pintor espanhol)
Desejos
A Salvador Novo
Trópico, para que me
deste
as mãos cheias de
cor.
Tudo o que eu toque
se preencherá de sol.
Nas tardes sutis de
outras terras
passarei com meus
ruídos de vidro tornassol.
Deixa-me um só
instante
renunciar a ser grito
e cor.
Deixa-me um só
instante
mudar o clima do coração,
beber a penumbra de
uma coisa deserta,
inclinar-me em
silêncio sobre um remoto balcão,
afundar-me no manto
de finas dobras,
dispersar-me nas orlas
de uma suave devoção,
acariciar docemente
as cabeleiras lisas
e escrever com um
lápis muito fino minha meditação.
Oh, deixar de ser um
só instante
o Ajudante de Campo
do sol!
Trópico, para que me
deste
as mãos cheias de
cor.
Referência:
PELLICER, Carlos. Deseos. In: MIRANDA,
Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos.
1. ed. México, MX: CIDCLI, 1997. p. 144. (‘Coedicíon Latinoamericana’)
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