Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 23 de março de 2020

Carlos Pellicer - Desejos

Pellicer, poeta mexicano, invoca algum outro cenário que não exatamente o dos trópicos – que lhe oferece muita luz, cor e clima tépido –, como se quisesse participar a muitos quilômetros de distância, em outro polo, de cenas de amor bastante parecidas com as que, v.g., Shakespeare descreve em “Romeu e Julieta”, com sacadas, belas palavras e afagos nos cabelos – história, aliás, transcorrida na Itália, ora sitiada pela pandemia de coronavírus.

Para quem tem excesso de luz, passa-se a desejar o céu sempre nublado de Londres: é um pouco como o sentido da composição “Quereres”, do baiano Caetano Veloso, toda cheia de desejos invertidos, caso alguém aponte para anelos em certa direção. “Ah, bruta flor do querer / Ah, bruta flor, bruta flor”.

J.A.R. – H.C.

Carlos Pellicer
(1897-1977)

Deseos
A Salvador Novo

Trópico, para qué me diste
las manos llenas de color.
Todo lo que yo toque
se llenará de sol.
En las tardes sutiles de otras tierras
pasaré con mis ruidos de vidrio tornasol.
Déjame un solo instante
dejar de ser grito y color.
Déjame un solo instante
cambiar de clima el corazón,
beber la penumbra de una cosa desierta,
inclinarme en silencio sobre un remoto balcón,
ahondarme en el manto de pliegues finos,
dispersarme en la orilla de una suave devoción,
acariciar dulcemente las cabelleras lacias
y escribir con un lápiz muy fino mi meditación.
¡Oh, dejar de ser un solo instante
el Ayudante de Campo del sol!
¡Trópico, para qué me diste
las manos llenas de color!

Votos de aniversário
(Raimundo de Madrazo y Garreta: pintor espanhol)

Desejos
A Salvador Novo

Trópico, para que me deste
as mãos cheias de cor.
Tudo o que eu toque
se preencherá de sol.
Nas tardes sutis de outras terras
passarei com meus ruídos de vidro tornassol.
Deixa-me um só instante
renunciar a ser grito e cor.
Deixa-me um só instante
mudar o clima do coração,
beber a penumbra de uma coisa deserta,
inclinar-me em silêncio sobre um remoto balcão,
afundar-me no manto de finas dobras,
dispersar-me nas orlas de uma suave devoção,
acariciar docemente as cabeleiras lisas
e escrever com um lápis muito fino minha meditação.
Oh, deixar de ser um só instante
o Ajudante de Campo do sol!
Trópico, para que me deste
as mãos cheias de cor.

Referência:

PELLICER, Carlos. Deseos. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos. 1. ed. México, MX: CIDCLI, 1997. p. 144. (‘Coedicíon Latinoamericana’)

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