Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 2 de março de 2020

Eugenio Montale - A sombra da magnólia

Aparentemente, Montale alude, nos versos do poema abaixo, a um relacionamento que incorreu em desesperança e arrefecimento, pois as imagens reverberam o frio e o avançar do tempo rumo ao outono e ao inverno. Além do mais, a cigarra no topo da magnólia põe-se a sinalizar, intermitentemente, o epílogo das possibilidades amorosas.

A forma como o poema foi redigido deixa o leitor um pouco hesitante quanto à melhor interpretação a ser dada a alguns pontos, a exemplo daquele em que Montale, em palpável ambiguidade, torna indefinida a intenção de reportar-se a Clizia – a dama por quem estaria a demonstrar sentimentos – ou, pelo contrário, de pender os versos em direção aos atributos da bela e pequena árvore japonesa – a magnólia do título. Ou a ambiguidade, nesse caso, teria sido proposital?!...

J.A.R. – H.C.

Eugenio Montale
(1896-1981)

L’ombra della magnolia

L’ombra della magnolia giapponese
si sfoltisce or che i bocci paonazzi
sono caduti. Vibra intermittente
in vetta una cicala. Non è più
il tempo dell’unìsono vocale,
Clizia (1), il tempo del nume illimitato
che divora e rinsangua i suoi fedeli.
Spendersi era più facile, morire
al primo batter d’ale, al primo incontro
col nemico, un trastullo. Comincia ora
la via più dura: ma non te consunta
dal sole e radicata, e pure morbida
cesena che sorvoli alta le fredde
banchine del tuo fiume, – non te fragile –
fuggitiva cui zenit nadir cancro
capricorno rimasero indistinti
perché la guerra fosse in te e in chi adora
su te le stimme del tuo Sposo, flette
il brivido del gelo... Gli altri arretrano
e piegano. La lima che sottile
incide taceri, la vuota scorza
di chi cantava sari presto polvere
di vetro sotto i piedi, l’ombra è livida, –
è l’autunno, è l’inverno, è l’oltrecielo
che ti conduce e in cui mi getto, cèfalo (2)
saltato in secco al novilùnio (3).
Addio.

Magnólias Brancas
(Jen Shewring: artista australiana)

A sombra da magnólia

A sombra da magnólia japonesa
tornou-se mais delgada depois que os botões lilás
caíram. Vibra intermitentemente
uma cigarra no topo. Já não é
o tempo do uníssono vocal,
Clizia, o tempo da deidade ilimitada
que devora e transfunde sangue novo em seus fiéis.
Consumir-se era mais fácil, morrer
ao primeiro bater de asas, ao primeiro encontro
com o inimigo, um desenfado. Agora começa
um caminho mais difícil: mas não para ti, enraizada
e exposta ao sol, e ainda um delicado
tordo a voar alto sobre os gélidos
molhes do teu rio; – não para ti, frágil –
fugitiva cujo zênite e nadir, câncer
e capricórnio quedaram-se indistintos,
para que a guerra fosse em ti e, em quem adora
sobre ti os estigmas do teu Esposo, precipita-se
o calafrio do gelo... Os outros recuam
e se rendem. A lima que sutilmente
desbasta há de calar-se, a casca oca
dos que cantavam, em breve, será poeira
de vidro sob os pés; lívida é a sombra, –
é o outono, é o inverno, é o outro céu
que te conduz e no qual me lanço, pargo
saltado em seco ao novilúnio.
Adeus.

Notas:

(1). “Clizia” – figura feminina metafísica que pairava na inspiração literária de Montale – com especial presença na obra “Le Occasioni” (“As ocasiões”), de 1939 –, cuja influência teria tido origem no relacionamento que o autor encetou com a norte-americana Irma Brandeis (1905-1990), estudiosa da obra de Dante Alighieri (1265-1321).

(2). “Cèfalo” – espécie de peixe bastante comum nas águas costeiras mediterrâneas, tendo o comportamento perceptível de saltar com frequência para fora d’água – daí a propriedade da imagem a que recorreu o poeta italiano.

(3). “Novilùnio” – o mesmo que lua nova.

Referência:

MONTALE, Eugenio. L’ombra della magnólia. In: __________. Collected poems: 1920-1954. Bilingual edition: italian x english. Translated and annotated by Jonathan Galassi. New York (NY): Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 380.

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