Aparentemente, Montale alude, nos versos do poema abaixo, a um
relacionamento que incorreu em desesperança e arrefecimento, pois as imagens reverberam
o frio e o avançar do tempo rumo ao outono e ao inverno. Além do mais, a
cigarra no topo da magnólia põe-se a sinalizar, intermitentemente, o epílogo
das possibilidades amorosas.
A forma como o poema foi redigido deixa o leitor um pouco hesitante
quanto à melhor interpretação a ser dada a alguns pontos, a exemplo daquele em
que Montale, em palpável ambiguidade, torna indefinida a intenção de
reportar-se a Clizia – a dama por quem estaria a demonstrar sentimentos – ou, pelo
contrário, de pender os versos em direção aos atributos da bela e pequena
árvore japonesa – a magnólia do título. Ou a ambiguidade, nesse caso, teria
sido proposital?!...
J.A.R. – H.C.
Eugenio Montale
(1896-1981)
L’ombra della magnolia
L’ombra della
magnolia giapponese
si sfoltisce or che i
bocci paonazzi
sono caduti. Vibra
intermittente
in vetta una cicala.
Non è più
il tempo dell’unìsono
vocale,
Clizia (1), il tempo
del nume illimitato
che divora e
rinsangua i suoi fedeli.
Spendersi era più
facile, morire
al primo batter d’ale,
al primo incontro
col nemico, un
trastullo. Comincia ora
la via più dura: ma
non te consunta
dal sole e radicata,
e pure morbida
cesena che sorvoli
alta le fredde
banchine del tuo
fiume, – non te fragile –
fuggitiva cui zenit
nadir cancro
capricorno rimasero indistinti
perché la guerra
fosse in te e in chi adora
su te le stimme del
tuo Sposo, flette
il brivido del
gelo... Gli altri arretrano
e piegano. La lima
che sottile
incide taceri, la
vuota scorza
di chi cantava sari
presto polvere
di vetro sotto i
piedi, l’ombra è livida, –
è l’autunno, è l’inverno,
è l’oltrecielo
che ti conduce e in
cui mi getto, cèfalo (2)
saltato in secco al novilùnio
(3).
Addio.
Magnólias Brancas
(Jen Shewring:
artista australiana)
A sombra da magnólia
A sombra da magnólia
japonesa
tornou-se mais
delgada depois que os botões lilás
caíram. Vibra
intermitentemente
uma cigarra no topo.
Já não é
o tempo do uníssono
vocal,
Clizia, o tempo da deidade
ilimitada
que devora e transfunde
sangue novo em seus fiéis.
Consumir-se era mais
fácil, morrer
ao primeiro bater de
asas, ao primeiro encontro
com o inimigo, um desenfado.
Agora começa
um caminho mais
difícil: mas não para ti, enraizada
e exposta ao sol, e
ainda um delicado
tordo a voar alto
sobre os gélidos
molhes do teu rio; – não
para ti, frágil –
fugitiva cujo zênite
e nadir, câncer
e capricórnio quedaram-se
indistintos,
para que a guerra fosse
em ti e, em quem adora
sobre ti os estigmas
do teu Esposo, precipita-se
o calafrio do gelo...
Os outros recuam
e se rendem. A lima
que sutilmente
desbasta há de
calar-se, a casca oca
dos que cantavam, em
breve, será poeira
de vidro sob os pés;
lívida é a sombra, –
é o outono, é o
inverno, é o outro céu
que te conduz e no
qual me lanço, pargo
saltado em seco ao
novilúnio.
Adeus.
Notas:
(1). “Clizia” – figura feminina
metafísica que pairava na inspiração literária de Montale – com especial
presença na obra “Le Occasioni” (“As ocasiões”), de 1939 –, cuja influência
teria tido origem no relacionamento que o autor encetou com a norte-americana
Irma Brandeis (1905-1990), estudiosa da obra de Dante Alighieri (1265-1321).
(2). “Cèfalo” – espécie de peixe bastante
comum nas águas costeiras mediterrâneas, tendo o comportamento perceptível de
saltar com frequência para fora d’água – daí a propriedade da imagem a que
recorreu o poeta italiano.
(3). “Novilùnio” – o mesmo que lua
nova.
Referência:
MONTALE, Eugenio. L’ombra della magnólia. In: __________. Collected poems: 1920-1954. Bilingual edition: italian x english. Translated and annotated by Jonathan Galassi. New York (NY): Farrar, Straus and Giroux, 1998. p. 380.
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