Os núcleos das rosas – os nomeados “corações”, no dizer da poetisa –,
costumam ser amargos e, por tal motivo, o bichano da autora não os toca,
sobretudo porque conhece bem “o mundo e o clima”. E como diria Pessoa: “E assim
nas calhas da roda / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio de corda / Que se
chama o coração”.
O gato seria um sábio, porque não se deve deglutir o coração de tudo
quanto exterioriza vida, pois ali há amargura suficiente para verter
tribulações para quem ousar colocá-lo à prova. Levertov omitiu-se em esclarecer
que o coração também abriga as lembranças do amor que se deu e se recebeu. E
não se ousaria dizer que o amor tem “sabor amargo”. Então, para sermos mais
justos, complementemos: o núcleo das rosas tem sabor agridoce!
J.A.R. – H.C.
Denise Levertov
(1923-1997)
The Sage
The cat is eating the
roses:
that’s the way he is.
Don’t stop him, don’t
stop
the world going
round,
that’s the way things
are.
The third of May
was misty; fourth of
May
who knows. Sweep
the rose-meat up,
throw the bits
out in the rain.
He never eats
every crumb, says
the hearts are
bitter.
That’s the way he is,
he knows
the world and the
weather.
Mulher com Gato
(Pablo Picasso:
pintor espanhol)
O Sábio
O gato está comendo
as rosas:
assim que ele é.
Não o impeça, não impeça
que o mundo siga a
girar,
é assim que as coisas
são.
Em três de maio
estava enevoado; em
quatro de maio
quem há de o saber.
Varra
os núcleos das rosas,
deite à chuva
os pedaços que
restam.
Ele nunca come
todas as migalhas,
pois se costuma dizer
que os corações são
amargos.
Assim que ele é:
conhece
o mundo e o clima.
Referência:
LEVERTOV, Denise. The sage. In:
__________. Collected Earlier Poems:
1940-1960. New York, NY: New Directions, 1979. p. 99-100.
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