Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 29 de março de 2020

Pablo Neruda - Ode à tristeza

Mal chegou o fim do primeiro trimestre, e já me sinto cansado – e triste como as coisas vão transcorrendo, quer em meus desvãos quer nos “tristes trópicos” de Pindorama – e no mundo, por extensão: mas venho teimando em amparar os umbrais de minha morada contra as pressões vindas de fora, carreadas por uma torrente de desalentos suscitada por gente desorientada, daqui e dalhures.

Tratarei de agir como propõe o poeta chileno: torcerei até a morte esse morcego chamado “tristeza”, depenando-o em seguida, pulverizando-o aos quatro ventos, soterrando-lhe os despojos para muito mais além dos sete palmos com que se costuma amanhar uma cova mortuária. E que as rosas vermelhas voltem a florir no jardim, para encantar o mundo!

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

Oda a la tristeza

Tristeza, escarabajo
de siete patas rotas,
huevo de telaraña,
rata descalabrada,
esqueleto de perra:
Aquí no entras.
No pasas.
Ándate.
Vuelve
al Sur con tu paraguas,
vuelve
al Norte con tus dientes de culebra.
Aquí vive un poeta.
La tristeza no puede
entrar por estas puertas.
Por las ventanas
entra el aire del mundo,
las rojas rosas nuevas,
las banderas bordadas
del pueblo y sus victorias.
No puedes.
Aquí no entras.
Sacude
tus alas de murciélago,
yo pisaré las plumas
que caen de tu manto,
yo barreré los trozos
de tu cadáver hacia
las cuatro puntas del viento,
yo te torceré el cuello,
te coseré los ojos,
cortaré tu mortaja
y enterraré tus huesos roedores
bajo la primavera de un manzano.

A Melancolia
(Louis-Jean-François Lagrenée: pintor francês)

Ode à tristeza

Tristeza, escaravelho
de sete patas partidas,
ovo de teia de aranha,
rato esfolado,
esqueleto de cadela:
Aqui não entras.
Não passas.
Anda-te.
Volta
ao Sul com teu guarda-chuva,
volta
ao Norte com teus dentes de serpente.
Aqui vive um poeta.
A tristeza não pode
entrar por estas portas.
Pelas janelas
entra o ar do mundo,
as novas rosas vermelhas,
as bandeiras bordadas
do povo e de suas vitórias.
Não podes.
Aqui não entras.
Sacode
tuas asas de morcego,
eu pisarei as penas
que caem de teu manto,
varrerei os despojos
de teu cadáver para
as quatro pontas do vento,
te torcerei o pescoço,
te cerzirei os olhos,
talharei tua mortalha
e enterrarei teus ossos roedores
sob a primavera de uma macieira.

Referência:

NERUDA, Pablo. Oda a la tristeza. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos. 1. ed. México, MX: CIDCLI, 1997. p. 116. (‘Coedición Latinoamericana’)

Nenhum comentário:

Postar um comentário