Mal chegou o fim do primeiro trimestre, e já me sinto cansado – e triste
como as coisas vão transcorrendo, quer em meus desvãos quer nos “tristes
trópicos” de Pindorama – e no mundo, por extensão: mas venho teimando em amparar
os umbrais de minha morada contra as pressões vindas de fora, carreadas por uma
torrente de desalentos suscitada por gente desorientada, daqui e dalhures.
Tratarei de agir como propõe o poeta chileno: torcerei até a morte esse
morcego chamado “tristeza”, depenando-o em seguida, pulverizando-o aos quatro
ventos, soterrando-lhe os despojos para muito mais além dos sete palmos com que
se costuma amanhar uma cova mortuária. E que as rosas vermelhas voltem a florir no jardim, para encantar o mundo!
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Oda a la tristeza
Tristeza, escarabajo
de siete patas rotas,
huevo de telaraña,
rata descalabrada,
esqueleto de perra:
Aquí no entras.
No pasas.
Ándate.
Vuelve
al Sur con tu
paraguas,
vuelve
al Norte con tus
dientes de culebra.
Aquí vive un poeta.
La tristeza no puede
entrar por estas
puertas.
Por las ventanas
entra el aire del
mundo,
las rojas rosas
nuevas,
las banderas bordadas
del pueblo y sus
victorias.
No puedes.
Aquí no entras.
Sacude
tus alas de
murciélago,
yo pisaré las plumas
que caen de tu manto,
yo barreré los trozos
de tu cadáver hacia
las cuatro puntas del
viento,
yo te torceré el
cuello,
te coseré los ojos,
cortaré tu mortaja
y enterraré tus
huesos roedores
bajo la primavera de
un manzano.
A Melancolia
(Louis-Jean-François
Lagrenée: pintor francês)
Ode à tristeza
Tristeza, escaravelho
de sete patas partidas,
ovo de teia de
aranha,
rato esfolado,
esqueleto de cadela:
Aqui não entras.
Não passas.
Anda-te.
Volta
ao Sul com teu
guarda-chuva,
volta
ao Norte com teus
dentes de serpente.
Aqui vive um poeta.
A tristeza não pode
entrar por estas
portas.
Pelas janelas
entra o ar do mundo,
as novas rosas vermelhas,
as bandeiras bordadas
do povo e de suas
vitórias.
Não podes.
Aqui não entras.
Sacode
tuas asas de morcego,
eu pisarei as penas
que caem de teu
manto,
varrerei os despojos
de teu cadáver para
as quatro pontas do
vento,
te torcerei o
pescoço,
te cerzirei os olhos,
talharei tua mortalha
e enterrarei teus
ossos roedores
sob a primavera de
uma macieira.
Referência:
NERUDA, Pablo. Oda a la tristeza. In:
MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas
latinoamericanos. 1. ed. México, MX: CIDCLI, 1997. p. 116. (‘Coedición
Latinoamericana’)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário