O poeta sente que a vida de que goza transcorre como se fosse uma noite em seu íntimo e espera que desse torpor de estar acordado venha um dia despertar: nesse plano, a vida não consistiria em mais que um sonhar acordado, num transe durante o qual os sentidos não exerceriam os seus plenos poderes de apreensão das coisas do mundo.
Diversamente, sente Pessoa que ninguém menos que o seu bichano mostra-se capaz de deduzir tudo quanto abrange este domínio em que nos encontramos, em seu olhar pleno de experiências e corpo com suficiente flexibilidade para apreender os limites e os elementos conformadores do espaço.
J.A.R. – H.C.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Magnificat
Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá
no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!
(7.11.1933)
O gato branco
(Franz Marc: pintor alemão)
Referência:
PESSOA, Fernando. Magnificat. In: __________. Obra poética. 8. ed. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguilar, 1994. p. 321-322.
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