Neste poema, a confrontar o mundo secular ao mundo hierático, Stevens exalta a boa vida do mundo contemporâneo, asseverando, ademais, que o homem pode encontrar alguma espécie de transcendência no mundo da imaginação – ali onde a poesia certamente faz parceria a outros recursos congêneres –, capaz de substituir aquela oferecida pela religião.
De uma visão harmonicamente encantada, com amparo nos referentes rituais e emocionais da religião, passou o homem a um padrão de domínio sobre a natureza fundamentado na racionalidade, tornando a sua vida muito mais o resultado das ações que adota, do que de forças conformadoras de uma vontade divina. Será que andei a plagiar alguma ideia contida numa teoria de um certo sociólogo alemão?! (rs).
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
The Good Man Has No Shape
Through centuries he lived in poverty.
God only was his only elegance.
Then generation by generation he grew
Stronger and freer, a little better off.
He lived each life because, if it was bad,
He said a good life would be possible.
At last the good life came, good sleep, bright fruit,
And Lazarus betrayed him to the rest,
Who killed him, sticking feathers in his flesh
To mock him. They placed with him in his grave
Sour wine to warn him, an empty book to read;
And over it they set a jagged sign,
Epitaphium to his death, which read,
The Good Man Has No Shape, as if they knew.
Sem título
(Di Cavalcanti: pintor carioca)
O homem bom não tem forma
Viveu por séculos na pobreza.
Só Deus era sua única elegância.
Então foi se tornando a cada geração
Mais forte e livre, e um pouco mais próspero.
Vivia cada vida, ainda que má,
Porque, dizia, a vida boa era possível.
E veio enfim a vida boa, sono e fruta,
E Lázaro o delatou aos outros,
Que o mataram, cravando-lhe penas na carne
Por escárnio. Em seu túmulo puseram
Vinho azedo, como advertência, e um livro em branco
Para ler; por cima, uma placa quebrada,
Com o epitáfio de sua morte: O Homem
Bom Não Tem Forma, como se soubessem.
Referência:
STEVENS, Wallace. The good man has no shape / O homem bom não tem forma. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas. Seleção, tradução e apresentação de Paulo Henriques Britto. 1. ed. rev. e ampl. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 160; em português: p. 161.
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