Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 12 de março de 2020

Carlos Nejar - Nossa é a miséria

É possível até que o poeta gaúcho estivesse a fazer referência às nossas misérias mentais ou psicológicas, contudo prefiro interpretar o poema como uma alusão à miséria de um país que tem (penso já em conjugar o verbo no pretérito perfeito) tudo para dar certo, mas que não possui amor-próprio e abre mão a preço aviltante, por meio de sua elite e classe política canalha (com raras exceções), de um futuro que poderia ser bem distinto.

Intolerável é ver o quadro humano que, em pouco menos de meia década, se transformou o país: um mar de gente nas ruas a mendigar alimentos ou valores, mais de dez milhões de desempregados e um contingente ostensivo operando na informalidade econômica. E tudo muito à deriva, sem qualquer sentido de propósito – a hecatombe, em suma.

J.A.R. – H.C.

Carlos Nejar
(n. 1939)

Nossa é a miséria

Nossa é a miséria,
nossa é a inquietação incalculável,
nossa é a ânsia de mar e de naufrágios,
onde nossas raízes se alimentam.

Em vão lutamos
contra os grandes signos.

Seremos sempre
a mesma folhagem
de madrugada ausente.

O mesmo aceno imperceptível
entre a janela e o sonho.
A mesma lágrima
no mesmo rosto vazio.

A mesma frase
dentro dos mesmos olhos
sob a fonte.

Seremos sempre
a mesma dor oculta
nas árvores, no vento.

A mesma humilhação
diante da vida.

A mesma solidão
dentro da noite.

A mesma noite antiga
que separa
a semente do fruto
e amadurece
os lábios para a morte
como um rasto
de silêncio no mar.

Em: “Livro de Silbion” (1963)

Os Retirantes
(Cândido Portinaria: pintor paulista)

Referência:

NEJAR, Carlos. Nossa é a miséria. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Antologias ABL: poesia / ABL’s Anthologies: poems. Idealização e apresentação de Ana Maria Machado. Organização de Domício Proença Filho e Marco Lucchesi. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: ABL, 2013. p. 56 e 58.

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