Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 30 de março de 2020

Cecília Meireles - O gosto da Beleza em meu lábio descansa

A perfeição deste poema de Cecília dispensa qualquer comentário ou paráfrase, pois um poema que se preze “esgota” as possibilidades de mais palavras para girar à volta do próprio umbigo por onde foi gerado. E a beleza, assim, termina por repousar em lábios hábeis a conferir nitidez à sua superlativa importância. Ela “salvará” o mundo, sentencia o príncipe Míchkin.

A imagem de dunas que, na noite, se amontoam se presta bem para sugerir a alucinação que se pode usufruir com o esteticamente belo. E tudo é capaz de ser varrido por sua torrente: vitórias conquistadas, esperanças, alegrias; mas também dores, agonias, angústias. Pois a poesia não pode negar o que quer que seja experimentável neste plano de existência!

J.A.R. – H.C.

Cecília Meireles
(1901-1964)

O gosto da Beleza em meu lábio descansa

O gosto da Beleza em meu lábio descansa:
breve pólen que um vento próximo procura,
bravo mar de vitórias – ah, mas istmos de sal!

Eu – fantasma – que deixo os litorais humanos,
sinto o mundo chorar como em língua estrangeira;
eu sei de outra esperança: eu conheço outra dor.

Apenas alta noite algum radioso espelho
em sua lâmina reflete o que estou sendo.
E em meu assombro nem conheço o próprio olhar.

Alta é a alucinação da provada Beleza.
Pura e ardente, esta angústia. E perfeita, a agonia.
Eu, que a contemplo, vejo um fim que não tem fim.

Dunas da noite que se amontoam.

Vista de Toledo
(El Greco: pintor grego)

Referência:

MEIRELES, Cecília. O gosto da beleza em meu lábio descansa. In: __________. Cecília de bolso: uma antologia poética. Organização e apresentação de Fabrício Carpinejar. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 132. (Coleção ‘L&PM Pocket; v. 700)

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