A perfeição deste poema de Cecília dispensa qualquer comentário ou
paráfrase, pois um poema que se preze “esgota” as possibilidades de mais
palavras para girar à volta do próprio umbigo por onde foi gerado. E a beleza,
assim, termina por repousar em lábios hábeis a conferir nitidez à sua
superlativa importância. Ela “salvará” o mundo, sentencia o príncipe Míchkin.
A imagem de dunas que, na noite, se amontoam se presta bem para sugerir
a alucinação que se pode usufruir com o esteticamente belo. E tudo é capaz de
ser varrido por sua torrente: vitórias conquistadas, esperanças, alegrias; mas
também dores, agonias, angústias. Pois a poesia não pode negar o que quer que
seja experimentável neste plano de existência!
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
O gosto da Beleza em meu lábio descansa
O gosto da Beleza em
meu lábio descansa:
breve pólen que um
vento próximo procura,
bravo mar de vitórias
– ah, mas istmos de sal!
Eu – fantasma – que
deixo os litorais humanos,
sinto o mundo chorar
como em língua estrangeira;
eu sei de outra
esperança: eu conheço outra dor.
Apenas alta noite
algum radioso espelho
em sua lâmina reflete
o que estou sendo.
E em meu assombro nem
conheço o próprio olhar.
Alta é a alucinação
da provada Beleza.
Pura e ardente, esta
angústia. E perfeita, a agonia.
Eu, que a contemplo,
vejo um fim que não tem fim.
Dunas da noite que se
amontoam.
Vista de Toledo
(El Greco: pintor
grego)
Referência:
MEIRELES, Cecília. O gosto da beleza em
meu lábio descansa. In: __________. Cecília
de bolso: uma antologia poética. Organização e apresentação de Fabrício
Carpinejar. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 132. (Coleção ‘L&PM
Pocket; v. 700)
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