Este poema, redigido no começo de 2008, fala-nos do desejo do poeta em
permanecer vivo ainda por muito tempo, antes que as Parcas se lembrem de
tomar-lhe a ficha em que registrados estão os seus dados, para, com isso, mantê-las
distantes da tesoura que decepa a continuidade de sua história.
E veja o leitor que transcorreram ainda algo mais de dez anos até que, de
fato, as Parcas viessem pôr fim aos dias do literato e poeta: afinal, faleceu
ele em meados de fevereiro de 2018, deixando carente a crítica literária pátria
de seus percucientes escólios, sobretudo em relação às obras dos grandes
escritores da língua portuguesa.
J.A.R. – H.C.
José Fernandes
(1946-2018)
Ano Novo?
O ano passou e
levou-me trezentos e sessenta
dias dos poucos que
ainda me restam caminhar
pela ladeira a tecer
os fios dessa rede de sonhos
e vida longa
arrematando-se em nós górdios.
Que fazer para parar
o tempo e retardar a tesoura
que já começa a
fechar-se e distraí-la do fuso
a encher-se devagar
sobre os olhos da parca
medindo o meio e o
século a passar por mim?
Desejo que, em um
momento de distração,
o vento carregue a
minha ficha para longe
e embaralhe os fios
na roca aos olhos átropos
que controlam os meus
invernos outonais.
Enquanto isso, recolho
o melhor vinho tinto,
perfumo minhas
melenas, aproveito o dia
de hoje, pinto o sete
e o het, porque não desejo
que a deusa, por
hora, me diga: – Basta de viver!
(5.1.2008)
As Três Parcas
(Francesco de’ Rossi:
pintor italiano)
Referência:
FERNANDES, José. Ano novo? In:
__________. 50 poemas escolhidos pelo
autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2009. p. 66. (Coleção ‘50
poemas escolhidos pelo autor’; v. 40)
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