Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Edgar Ortiz - Minha ternura secou

Tudo o que posso afirmar sobre o autor do poema de hoje é que se trata de um editor e poeta paulista nascido em Taubaté (SP). Além disso, lembro-me de ter visto algumas de suas traduções na obra “Quatro mil anos de poesia”, uma coletânea de poemas de autores de origem judaica, organizada por Jacó Guinsburg e Zulmira Ribeiro Tavares.

Quanto ao poema propriamente dito, vê-se a nítida conexão, no título, com a famosa máxima do médico e revolucionário argentino Che Guevara: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás!”. Numa sucessão de dias a correr sempre igual, não há chuva capaz de fecundar a terra, alterando a paisagem ressequida que, no fluir do tempo, deixa de apontar para o futuro, a apenas submergir na regressão de ontens.

J.A.R. – H.C.

Árvore Ressequida
(Remegio Onia: pintor filipino)

Minha ternura secou

Minha ternura secou,
Sou chão fendido, ressequido,
Sem condições para vegetação.
Um dia choverá,
Mas, por ora
Sou chão fendido, ressequido.
Olho o céu prenhe de nuvens
E acho que não choverá nunca.
Pleno da minha inutilidade
Assisto ao passar dos dias,
São todos iguais.
Passam virgens, intocáveis
Para condição de ontens.
Longe bem distante,
Meus desejos antigos,
Rio-me,
Gravaram-se no vento.
O meu deserto,
Não tem caravanas,
Não tem beduínos,
E não tem oásis.
Da areia estéril
Não espero milagre da fecundação.
Estou sozinho.
Minha vida é um ontem que passou,
Suave, sem estardalhaço.
À minha frente
Há um amanhã provável
E como é triste,
Esperar que ele seja hoje
E de novo acrescentá-lo
Ao rol grande de ontens.
Suave, sem estardalhaço...

A trilha batida
(Kirsty Wither: pintora escocesa)

Referência:

ORTIZ, Edgar. Minha ternura secou. In: __________. 53 poemas de Edgar Ortiz. São Paulo, SP: Eco, 1957. p. 13-14.

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