Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Cassiano Ricardo - Anoitecer

As palavras, como pássaros, surgiram no amanhecer do poeta, ainda quando criança, permitindo que a realidade se tornasse um mundo com potencial para ser verbalizado – distintamente do enredo bíblico do Gênesis, segundo o qual tudo quanto existe teria surgido como consequência do poder da enunciação divina: “no início, era o verbo!”.

Mas agora, quando os seus dias se aproximam do fim, ou ainda, metaforicamente, tomando as coisas no fluxo de um único dia, na proximidade do ocaso, o poeta vê-se como uma árvore que atrai um bando de pássaros para passar a noite, na plenitude do silêncio. Dir-se-ia então, por via de consequência, que o verbo emudece!

J.A.R. – H.C.

Cassiano Ricardo
(1895-1974)

Anoitecer

Homem, cantava eu como um pássaro
ao amanhecer. Em plena unanimidade
de um mundo só.
Como, porém, viver num mundo onde todas as coisas
tivessem um só nome?

Então, inventei as palavras.
E as palavras pousaram gorjeando sobre o rosto
dos objetos.

A realidade, assim, ficou com tantos rostos
quantas são as palavras.

E quando eu queria exprimir a tristeza e a alegria
as palavras pousavam em mim, obedientes
ao meu menor aceno lírico.

Agora devo ficar mudo.
Só sou sincero quando estou em silêncio.

Pois, só quando estou em silêncio
elas pousam em mim – as palavras –
como um bando de pássaros numa árvore
ao anoitecer.

Em: “Um dia depois do outro” (1947)

Marshmallow
(Rafal Olbinski: pintor polonês)

Referência:

RICARDO, Cassiano. Anoitecer. In: PONTIERO, Giovanni (Notes and Introduction). An anthology of brazilian modernist poetry. 1st. ed. Oxford, EN: Pergamon Press, 1969. p. 96-97.

2 comentários:

  1. Há muito tempo procurava esse poema que é de um lirismo irretocável. Finalmente encontrei-o e agradeço muito a postagem. A poesia lapida nossas arestas, humaniza o bruto. E essa, especialmente, expressa o que temos de mais humano: o poder das palavras.

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  2. Prezado(a): Um belo poema, sem dúvida. Agradeço o comentário e a navegação pelas páginas do blog.
    Um abraço,
    João A. Rodrigues.

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