Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Lêdo Ivo - Feliz Ano Novo

Permeado por certa visão de uma humanidade indigna e traiçoeira – desprezada até mesmo pelos deuses –, o poema cria imagens escatológicas sobre o que ocorre no trânsito estridente e fumarento de um ano a outro, entre bebedeiras, falsos votos e muito sexo.

É o tempo a correr voraz, escancarando a sua boca para deglutir, mais cedo ou mais tarde, “as almas de isopor”, nós que, como ovelhas, balindo em “igrejas, boates e macumbas”, costumamos lançar ao mar, durante as festas de réveillon, “o tributo florido de nossa gratidão”.

J.A.R. – H.C.

Lêdo Ivo
(1924-2012)

Feliz Ano Novo

Mais um ano termina em estridência e fumaça.
A invejosa boca do tempo se escancara
para engolir as almas de isopor.
Os dias são iguais. E para separá-los
– como quem afasta alguns pelos entre lábios
as valvas fulvas se contraem
sob os lençóis da Noite.
Tudo é passagem para o som e a forma
mas não se ouve a trompa que ressoa
buscando alguém na Ilha do Tesouro.
A espada pende no vazio do mundo e chama
o estojo. E os suspiros vagam
nos brejos que resumem o diálogo
entre o pênis e a vagina.
Feliz Ano Novo! diz o meu irmão hipócrita
e vomita o que comeu e bebeu o ano inteiro.

Nas igrejas, boates e macumbas
balimos e bailamos, as ovelhas
que os filtros da redenção embebedaram.
E lançamos ao mar o tributo florido
de nossa gratidão. E os deuses nos desprezam.

Em: “Os Emblemas do Tempo”

Feliz Ano Novo
(Ary Mari: pintor paulistano)

Referência:

IVO, Lêdo. Feliz ano novo. In: __________. Finisterra: poesia de Lêdo Ivo. Rio de Janeiro, GB: José Olympio, 1972. p. 76.


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